O juiz da Comarca de São Cristóvão, Manoel Costa Neto, acatou Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público do Estado e determinou que a Prefeitura de São Cristóvão, por meio do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), corrija as irregularidades no abastecimento de água na cidade histórica.
As irregularidades foram detectadas por técnicos do Ministério Público do Estado (MPE), Vigilância Sanitária do Estado (VSE), Instituto Tecnológico e de Pesquisa de Sergipe (ITPS) e Conselho Regional de Química (CRQ).
Com a decisão, o diretor-presidente do SAAE está obrigado a corrigir as irregularidades detectadas nas Estações de Tratamento de Água do Cristo e do Rio Cumprido. O Município ainda terá que reestruturar as redes de abastecimento e duplicar o sistema de distribuição e tratamento da Estação do Cristo.
O magistrado impõe multa diária de R$ 10 mil ao diretor-presidente, em caso de desobediência. Ele também poderá ser enquadrado no Crime de Desobediência.
O SAAE responsabilizou a gestão do ex-prefeito Alex Rocha para tentar fugir das responsabilidades. Em sua defesa, o Serviço de Água e Esgoto alegou que a “nova gestão do SAAE iniciou suas atividades há pouco tempo, encontrando vários problemas oriundos da administração anterior, os quais demandam tempo para solução”.
Confira a decisão na íntegra.
O Ministério Público do Estado de Sergipe, por conduto de sua representante titular da Curadoria dos Direitos do Consumidor e dos Serviços de Relevância Pública desta Comarca, propôs AÇÃO CIVIL PÚBLICAem face do Município de São Cristóvão, alhures qualificado, alegado que instaurou Procedimento Administrativo, posteriormente transformado em Inquérito Civil tombado sob o nº 82.09.01.0004, visando verificar denúncias sobre a qualidade e regularidade da água fornecida pelo SAAE. Em sede de Tutela Antecipada, requereu que o Município fosse compelido a incluir no orçamento, verba suficiente para corrigir as irregularidades detectadas pela perícia do Ministério Público, pela Vigilância Sanitária Estadual, pelo ITPS e pelo Conselho Regional de Química, sob pena de multa diária no quantum de R$ 10.000,00(dez mil reais). Ao final, requereu a conversão da tutela antecipatória em definitiva, a condenação do Município e do SAAE à obrigação de fazer consistente em corrigir as irregularidades detectadas. Em caso de não deferimento dos pedidos retro, que seja decretada a interdição da ETA do Cristo e da ETA do Rio comprido. Ademais, requereu que o Prefeito Municipal seja condenado pessoalmente a pagar multa diária em caso de descumprimento; que o Conselho Regional de Química, envie bimestralmente, laudos qualitativos acerca da água fornecida pelo SAAE, bem como, que após conclusão das obras de restruturação, seja fornecido novo relatório sobre as condições de estrutura e funcionamento das mesmas. Juntou documentos.
Citado, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto apresentou Contestação, no dia 15/02/2013, arguindo, preliminarmente, a carência de ação, sob o argumento de que os documentos acostados com o fim de embasar o pleito exordial encontram-se desatualizados, que impossibilita a análise do mérito da causa. No mérito, afirmou-se que a nova gestão do SAAE iniciou suas atividades há pouco tempo, encontrando vários problemas oriundos da administração anterior, os quais demandam tempo para solução. Acrescentou que algumas medidas estão sendo adotadas para aumentar o fornecimento, bem como, que a qualidade da água é diferente daquela relatada na exordial, já que foram tomadas providências emergenciais, dentro das possibilidades financeiras, a fim de garantir água potável à população. Dessa forma, concluiu que o serviço de abastecimento de água atualmente prestado pelo SAAE é adequado, contínuo e eficaz, respeitando os padrões de potabilidade.
Em 18/03/2013, o Município de São Cristóvão apresentou defesa em forma de Contestação, arguindo, preliminarmente, que o abastecimento de água fornecido ao Município é realizado pelo SAAE, e por ser Autarquia Municipal, possui autonomia administrativa e financeira, além de personalidade jurídica própria, o que impõe a sua legitimidade para figurar, individualmente, no polo passivo. Ademais, aduziu a responsabilidade do SAAE pelo abastecimento de água, bem como, a situação financeira em que se encontra o Município, alegando que para a realização de tais despesas, seria necessária uma prévia dotação orçamentária, haja vista que fora verificada a necessidade de corrigir as irregularidades detectadas. Por tais razões, concluiu que considerando a ausência de prévia dotação, torna-se impossível, de inicio, atender ao pedido do Ministério Público, tendo em vista, as prioridades do Município em investir naquilo que já fora previamente orçado e devidamente dotado, sob pena de infringir a lei de responsabilidade fiscal.
Em manifestação sobre a Contestação feita pelo SAAE, o MPE, no dia 08/05/2013, alegou, sobre a preliminar arguida, que em nenhum momento, desde o ano de 2009 até o fim de 2012, os índices de potabilidade da água servida pelo SAAE atingiu os patamares de adequação e segurança exigidos pela legislação que cuida da matéria, o que foi atestado por diversos Órgãos, a exemplo do ITPS, DIVISA e Conselho Regional de Química, como também pela própria população, através de reclamações feitas. De tal forma, aduziu ainda que não há de se falar em desatualização das perícias, relatórios e reclamações acostados com a exordial, já que tal documentação atesta a prestação inadequada do serviço público de abastecimento de água desde o ano de 2009, quando fora instaurado o Inquérito Civil. Portanto, requereu a rejeição preliminar arguida.
Em 08 de maio de 2013, o MPE, em manifestação sobre a Contestação apresentada pelo Município de São Cristóvão, alegou, preliminarmente, a legitimidade do Município para figurar o polo passivo da demanda, sobretudo em face do controle finalístico que tal ente político deve exercer perante a Administração Indireta, especialmente quando se trata de serviço público essencial. Sobre o mérito, aduziu ainda que, a tese defendida pelo Réu está em consonância com o pedido autoral, uma vez que, em sua peça contestatória, ressalvou que a implementação das indispensáveis reformas e adequações do sistema de abastecimento de água no Município de São Cristóvão exige prévia dotação orçamentária, afirmando neste ponto que “será incluído no orçamento verba suficiente para tanto”. Ao final, ainda registrou que“considerando a ausência de prévia dotação orçamentária abarcando tais dispêndios, torna-se impossível proceder, de início, ao pedido do Ministério Público”.
No dia 29 de maio de 2013, paira Ato Ordinatório, para que as partes, devidamente intimadas, manifestem interesse em conciliar no prazo de 05 (cinco) dias.
Em 06 de junho de 2013, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto, apresentou manifestação em resposta ao despacho retro, informando da inviabilidade e impossibilidade de apresentar proposta de acordo, em razão de todos os fatos narrados em sede da apresentação de sua defesa.
Em 10/06/2013, o Município de São Cristóvão, instado a se manifestar, aduziu interesse em conciliar. Ademais, requereu designação de audiência para tanto.
Em manifestação, datada em 28/06/2013, o MPE, informou que passou 03(três) anos tentando solucionar o problema da qualidade e regularidade do abastecimento de água prestado pelo SAAE, exaurindo-se, assim, todas as possibilidades de acordo via administrativa. Considerando, ainda que o pedido de inclusão no orçamento de verbas para corrigir as irregularidades apuradas requer certa agilidade, haja vista a existência de prazo exíguo para o cumprimento da diligência. Dessa forma, requereu que este Juízo manifeste-se sobre o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.
Eis o relato. DECIDO.
Evidenciada a legitimidade do Parquet estadual para a propositura da demanda, no exercício de suas nobilíssimas atividades, já que o art. 129, inciso III, da Constituição Federal, disciplina como uma das funções institucionais do Ministério Público, promover Ação Civil Pública visando a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
O MPE instaurou Procedimento Administrativo, posteriormente transformado em Inquérito Civil tombado sob o nº 82.09.01.0004, visando verificar denúncias sobre a qualidade e regularidade da água fornecida pelo SAAE, e que fosse compelido a incluir no orçamento, verba suficiente para corrigir as irregularidades detectadas pela perícia do MPE, pela Vigilância Sanitária Estadual, pelo ITPS e pelo Conselho Regional de Química, sob pena de multa diária no quantum de R$ 10.000,00(dez mil reais). Requereu a conversão da tutela antecipatória em definitiva, a condenação do Município e do SAAE à obrigação de fazer consistente em corrigir as irregularidades detectadas. Em caso de não deferimento dos pedidos retro, que seja decretada a interdição da ETA do Cristo e da ETA do Rio comprido. Ademais, requereu que o Prefeito Municipal seja condenado pessoalmente a pagar multa diária em caso de descumprimento; que o Conselho Regional de Química, envie bimestralmente, laudos qualitativos acerca da água fornecida pelo SAAE, bem como, que após conclusão das obras de restruturação, seja fornecido novo relatório sobre as condições de estrutura e funcionamento das mesmas.
O Município disse que: “…o abastecimento de água fornecido ao Município é realizado pelo SAAE, e por ser Autarquia Municipal, possui autonomia administrativa e financeira, além de personalidade jurídica própria, o que impõe a sua legitimidade para figurar, individualmente, no polo passivo. Ademais, aduziu a responsabilidade do SAAE pelo abastecimento de água, bem como, a situação financeira em que se encontra o Município, alegando que para a realização de tais despesas, seria necessária uma prévia dotação orçamentária, haja vista que fora verificada a necessidade de corrigir as irregularidades detectadas.”
O SAAE, em sua defesa alegou: “…que a nova gestão do SAAE iniciou suas atividades há pouco tempo, encontrando vários problemas oriundos da administração anterior, os quais demandam tempo para solução. Acrescentou que algumas medidas estão sendo adotadas para aumentar o fornecimento, bem como, que a qualidade da água é diferente daquela relatada na exordial, já que foram tomadas providências emergenciais, dentro das possibilidades financeiras, a fim de garantir água potável à população…”
Vislumbro a desnecessidade de instrução do feito, visto que a matéria agitada é de fácil apreciação, embora composta por elementos de fato e de direito. Os aspectos fáticos iniciam-se pelo exame da documentação acostada em sua fase regular, não havendo necessidade de produção de prova oral em audiência, ensejando a possibilidade de julgamento antecipado da lide, encaixando o pedido autoral no inciso I do art. 330 do Diploma Processual Civil.
Após a fase postulatória, o Juiz deve observar detidamente a questão. Sentindo-se suficientemente convencido dos fatos expostos pelas partes e observando não carecerem de produção de provas, deverá antecipar o julgamento da demanda. Da mesma forma agirá quando as provas documentais anexadas aos autos pelo autor o levarem ao exaurimento da cognição acerca dos fatos expostos.
A Jurisprudência é assente:
“(…)1. O julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC), não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória. (Precedentes). 2. O art. 131, do CPC consagra o princípio da persuasão racional, valendo-se o magistrado do seu livre convencimento, que utiliza-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto, rejeitando diligências que delongam o julgamento desnecessariamente. Trata-se de remédio processual que conspira a favor do princípio da celeridade do processo.(…)”(AgRg no REsp 417830 / DF; AGREsp 2002/0019750-3 Ministro LUIZ FUX T1 – PRIMEIRA TURMA DJ 17.02.2003 p. 228)
Apenas para impedir eventuais motivações recursais quanto à prescindibilidade de audiência instrutória, esclareço que a prova em juízo deve se prender a fatos Pertinentes, Necessários e Relevantes à formação da convicção do Juiz. A análise daquilo que seja “ponto controvertido” a ser demonstrado quando da audiência de instrução e julgamento passa pela existência de “fato” que seja “dependente de prova oral”. Não se pode conceber que haja fato controverso quando este faz dissipar dúvida por prova documental ou pericial. A audiência instrutória, apesar de ser corolário do Principio do Contraditório e da Ampla Defesa, não deve ser utilizada como instrumento de postergação de feitos ou satisfação pessoal da parte de ser ouvido pelo Juiz. Tal ato deve ser utilizado apenas para a colheita de prova oral imprescindível ao julgamento.
Os pontos dependentes de prova oral também não podem advir de avaliações subjetivas. O Testemunho compromissado ou descompromissado se prende a FATOS, e não a roupagem jurídica do fato.
Consoante dispõe o art. 400 do CPC: “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso”.
O Direito à Prova é componente inafastável dos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa, portanto ressalta-se que o problema não pode ser tratado apenas pelo ângulo infraconstitucional, como mero Ônus da Prova, segundo o Art. 333 do CPC. É necessário proceder à exame minucioso do ponto de vista das garantias constitucionais ao instrumento efetivo e adequado à solução das controvérsias, dotando de efetividade suficiente assegurada ao titular do interesse juridicamente tutelado em sede material e processual.
A regra é da possibilidade da parte se valer de qualquer fonte ou meio de prova, desde que legal e moralmente legítimo, segundo rege o Art. 332 do CPC. Estes são os Limites da Prova. O meio e a produção da prova, portanto, como espécies da garantia constitucional do Direito à Prova da qual é gênero, inserida no setor constitucional de forma efetiva, dá-lhe segurança jurídica e é considerado válido pelo Juiz.
A moderna compreensão do instituto jurídico da Prova apenas pela categoria do Ônus probatório, é eminentemente negativa, porque atribui a cada uma das partes a possibilidade de agir em juízo, que é acompanhada dos riscos inerentes às incertezas ocasionadas quando os fatos não forem satisfatória e integralmente demonstrados.
Percebe-se a necessidade da reformulação do ônus da prova processual, a fim de que o Processo seja concebido como um instrumento mais eficiente para a atuação do direito material, e para conseguir pacificar, com justiça, os conflitos de interesses.
O cerceamento de defesa se caracteriza, também, quando a parte vier a sofrer um prejuízo manifesto ou um gravame decorrente da indevida transgressão do seu lídimo direito constitucional à Prova, bastando que determinado meio de prova se mostre pertinente, relevante, admissível e útil para a decisão.
O preceptivo constitucional é revelador do DIREITO À PROVA, como elemento constitutivo do Direito Subjetivo do cidadão, resguardado pela Lei fundamental, como Garantia Individual.
A Prova Oral se faz por inquirição de pessoas em juízo, submetidas sempre ao Princípio do Contraditório, que é a que se produz ou se forma pelo depoimento ou declaração das testemunhas, em sentido genérico. Consiste na exposição fática de fatos conhecidos de viso ou de oitiva, pelas pessoas indicadas pelas partes ou pelo juízo, e que vêm ao processo para atestar a existência ou inexistência de eventos para o julgamento da controvérsia.
São chamadas as pessoas conhecedoras de fatos relevantes para o julgamento da ação.
Testemunhar (do latim testari) significa afirmar, mostrar atestado. Testemunhar, em juízo, é atestar a existência de um fato relevante para o julgamento da lide.
Testemunha – na palavra de João Monteiro – é a pessoa, capaz e estranha ao feito, chamada a juízo para depor o que sabe sobre o fato litigioso.
Deste conceito, Moacyr Amaral Santos extraiu os elementos característicos da testemunha: a) é uma pessoa física; b) é uma pessoa estranha ao feito; c) é uma pessoa que deve saber do fato litigioso; d) a pessoa deve ser chamada a depor em juízo; e) a pessoa deve ser capaz de depor. (Teoria do Processo Civil, 1956, Editor Borsoi, Rio, Tomo II, p. 487. 190 Ob. e vol. cits., p. 396. Da Prova Testemunhal)
O relato feito pela testemunha chama-se depoimento, e nele não pode ela dar opinião sobre questão de direito ou interpretar texto legal. O objeto da prova testemunhal é, pois, o fato da causa.
A pessoa a depor, embora convidada pelas partes, na verdade o é pelo juízo. Se a demonstração dos fatos em juízo é uma Garantia conferida pela Magna Carta ao cidadão, isto também interessa à Jurisdição, já que a pronunciação do Magistrado somente se faz Legítima quando exauridas as argumentações e provas de ambas as partes.
O certo é que a prova oral, para alguns casos, é o único meio de se apurar a verdade.
Realmente, se o documento é autêntico e não houve impugnação quanto à sua veracidade, haverá dispensa da prova oral, pois ele é suficiente para fornecer os dados esclarecedores do litígio. Apenas quando houver discussão em torno da autenticidade ou do combate veemente à veracidade do documento, é que a prova oral pode ser admitida como complementar, em caráter subsidiário.
Não há o que se falar em cerceamento defesa, caso se tenha certeza da prescindibilidade da audiência instrutória, estando o Magistrado suficientemente convencido para prolatar sentença, espalhando seu juízo de certeza.
Neste sentido o Tribunal de Justiça de Sergipe, sendo Relator do Des. José Alves Neto, já se pronunciou a respeito, em semelhantes casos julgados por este Juízo:
“Insubsistente se faz este argumento, pois, de acordo com o art. 130 do CPC, cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Sendo o juiz o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização (Theotônio Negrão, CPC e Legislação processual em vigor, nota 1 ao art. 130, 27ª edição, 1996).
Reza o art. 330, I, do CPC, que O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência. ‘In casu’, o douto magistrado singular ressaltou que estamos diante de uma questão de fato e de direito, mas que não precisa de instrução ou maiores provas, posto que, o que foi angariado nos autos, ou seja, os documentos anexados, permitem ao Juiz decidir a lide.
Nesse sentido:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ANÁLISE DA LEGALIDADE DAS CONTAS PÚBLICAS PELO JUDICIÁRIO – POSSIBILIDADE – LEGITIMIDADE “AD CAUSAM” DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CERCEAMENTO DE DEFESA – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – INOCORRÊNCIA – RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – RECURSO DESPROVIDO. 1. O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública por improbidade administrativa. 2. Não há cerceamento de defesa em julgamento antecipado da lide quando no processo encontram-se presentes todas as provas necessárias ao convencimento do magistrado. 3. (…). 4. Os atos de improbidade administrativa são puníveis com o ressarcimento ao Erário Público, nos termos da Lei nº 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF/88. 5. Recurso Desprovido. (TJMG, AC nº 000.315.618-9/00, Comarca de São João Nepomuceno, Relator: Pedro Henriques, Julg. Em: 28/04/2003).
PROCESSO CIVIL – DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS – INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – Cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento das partes, indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, decisão essa que não viola o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, se a questão de mérito é unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produção de provas, tendo em vista os documentos já carreados para os autos.” (TJMG – Agravo nº 000.166.042- 2/00 – Comarca de Belo Horizonte Relator Des. José Antonino Baía Borges – Pub. 07/04/2000). Desta feita, afasta-se a argüição de cerceamento de defesa. (Apelação nº 7872/2009. De. Rel . José Alves Neto)
Os ensinamentos do doutrinador processualista civil, Misael Montenegro Filho, em curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2009, pág. 204, são:
“Entendemos que o julgamento antecipado da lide é medida que se impõe quando for a hipótese, em atenção aos primados da celeridade, da economia processual e da razoável duração do processo, evitando a prática de atos procrastinatórios, que afastam a parte da prestação jurisdicional desejada. Deferir a prestação jurisdicional não é apenas garantir a prolação da sentença de mérito, mas, em complemento, que esse pronunciamento seja apresentado no momento devido, sem alongamentos descabidos.”
O Magistrado não precisa anunciar o Julgamento Antecipado da Lide pois quem já faz isto de forma clara é a própria Lei Processual, sendo uma das opções possíveis ao final da Fase Postulatória do Processo de Conhecimento. Não haverá surpresa para qualquer das partes. Tampouco se constitui em Cerceamento de Defesa para o Réu somente porque protestou por prova pericial. Segundo o preceito constitucional, ninguém é obrigado a fazer (ou deixar de fazer) senão em virtude da lei”. Isto é a Regra de Clausura ou Fechamento hermético do Direito: “tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido.” É o “DIREITO DE NÃO TER DEVER”.
Assim, resta claro que, sendo o Juiz o destinatário da prova, é ele quem deve aferir a necessidade da audiência, evitando as diligenciais inúteis e protelatórias.
A legitimidade ad causam é a titularidade ativa e passiva da ação, na linguagem de LIEBMAM: “É a pertinência subjetiva da ação”. Para ARRUDA ALVIM, em sua obra (“Código de Processo Civil Comentado”, ed. 1975, p. 319), “está legitimado o autor quando for o possível titular do direito pretendido, ao passo que a legitimidade do réu decorre do fato de ser ele a pessoa indicada, em sendo procedente a ação, a suportar os efeitos oriundos da sentença”.(grifei)
Em síntese, os legitimados para o processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito.
Realmente, o SAAE é uma Autarquia Municipal, sendo outra pessoa jurídica diferente do Município, embora traduzido num grande “cabide de empregos” da classe política, sempre e eternamente mantido em estado pré-falencial, necessitando do concurso de investimentos do Executivo.
Mas o que importa é sua situação jurídica comprovada! Sendo fato de que se trata de Autarquia, deverá responder com exclusividade pelos seus atos e omissões administrativas.
Assim, acolho a ilegitimidade ad causam passiva do Município para integrar a lide, excluindo-o.
Além da péssima qualidade da água ser fato notório neste Município, o SAAE Confessou expressamente, cotejando com o argumento de que está cuidando para melhorar.
A princípio imagina-se que, tratando-se de conhecimento de causa que versa sobre a composição química da água fornecida pela Ré neste Município, seria imprescindível a Peritagem judicial, através de experto nomeado.
A Lei Processual dispõe textualmente que, se as partes fizerem carrear Pareceres Técnicos cabais e idôneos, de molde a formar o convencimento do Magistrado sobre a aplicação de regra técnica especializada, o emprego do meio de prova Pericial é dispensável. É o caso dos autos.
A Lei Fundamental em seus Arts. 175, parágrafo único, e 37, parágrafo terceiro, dispõem expressamente que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, a prestação de serviços públicos.
Assim, compete à Administração Pública oferecer utilidade aos seus administrados, ou seja, prestar serviços à coletividade, fazendo-o de forma centralizada, descentralizada ou desconcentrada.
Na sempre viva lição do saudoso mestre HELY LOPES MEIRELLES:
“Serviço centralizado – É o que o Poder Público presta por seus próprios órgãos em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade. Em tais casos o Estado é, ao mesmo tempo, titular e prestador do serviço, que permanece integrado na agora denominada Administração direta (Dec-lei 200/67, art. 4o, I).
Serviço descentralizado – É todo aquele em que o Poder Público transfere sua titularidade ou, simplesmente, sua execução, por outorga ou delegação, a autarquias, fundações, empresas estatais, empresas privadas ou particulares individualmente.
Serviço desconcentrado – É todo aquele que a Administração executa centralizadamente, mas o distribui entre vários órgãos da mesma entidade, para facilitar sua realização e obtenção pelos usuários” (in, Direito Administrativo Brasileiro. 25a edição. São Paulo: Malheiros, 2000. Págs. 317/318).
A Lei n. 7.783, de 28.6.89, em seu Art. 10, define como serviços essenciais: o de fornecimento água, de energia elétrica, gás e combustíveis; o de saúde; o de distribuição e comercialização de medicamentos; o funerário; o de transporte coletivo; o de captação e tratamento de esgoto e lixo; o de telecomunicações; o relacionado com substâncias radioativas; o de tráfego aéreo; o de compensação bancária e o de processamento de dados ligados a esses serviços.
À época do liberalismo, em que a atividade estatal se restringia à defesa externa e à segurança interna, por força da própria impossibilidade de delegação de tais atividades, não se havia de falar em descentralização. À medida que o Estado foi assumindo outros encargos, notadamente nos campos social e econômico, houve a necessidade de especialização dos serviços públicos, empregando-se métodos de gestão privada, mais flexíveis, com vistas à consecução de melhores resultados.
Nesse contexto surgiu o fenômeno da descentralização dos serviços públicos e, com ele, nasceram as sociedades de economia mista e as empresas públicas.
Como bem esclarece a jurista MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, através das concessões de serviços públicos “(…) o ente político cria, por lei, a pessoa jurídica (em regra, sociedade de economia mista) e a ela transfere a execução de determinado serviço público; a transferência de atribuições dá-se pela descentralização por serviços (por meio de lei) e não pela descentralização por colaboração (por meio de contrato), como seria próprio da concessão. Exemplos desse tipo de outorga existem inúmeros no direito brasileiro, podendo-se citar a EMBRATEL e a TELEBRAS, na esfera federal, a DERSA, a SABESP e a FEPASA, no Estado de São Paulo, algumas já privatizadas ou em vias de privatização” (in, Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2002. Pág. 61/62).
Resta claro, dessa forma, que o serviço de abastecimento de água é serviço público lato sensu, devendo o prestador ser responsabilizado como tal.
Não se pode olvidar, por oportuno, que a Emenda Constitucional nº 19/98 acrescentou expressamente aos princípios constitucionais da administração pública o princípio da eficiência.
Na feliz ponderação da moderna doutrina de ALEXANDRE DE MORAES, “…a EC 19/98, seguindo os passos de algumas legislações estrangeiras, no sentido de pretender garantir maior qualidade na atividade pública e na prestação dos serviços públicos, passou a proclamar que a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverá obedecer, além dos tradicionais princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, também ao princípio da eficiência” (in, Direito Constitucional. 8a edição. São Paulo: Atlas, 2000. Pág. 302).
Dessa forma, deve a Administração Pública, de forma centralizada ou não, direcionar sua atividade prestadora de serviços públicos à efetividade do bem comum.
A propósito, a Constituição da República, em seu art. 3, inciso IV, coloca que se constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos.
Mais uma vez, o já citado ALEXANDRE DE MORAES, identificando a busca pela qualidade como uma das características do princípio da eficiência, assim leciona: “busca da qualidade: ressalte-se a definição dada pela Secretaria Geral da Presidência, de que ‘qualidade de serviço público é, antes de tudo, qualidade de um serviço, sem distinção se prestado por instituição de caráter público ou privado; busca-se a otimização dos resultados pela aplicação de certa quantidade de recursos e esforços, incluída, no resultado a ser otimizado, primordialmente, a satisfação proporcionada ao consumidor, cliente ou usuário” (in, op.cit. Pág. 308).
A Lei n. 8.078, de 11.9.1990, que dispõe sobre a proteção ao consumidor e dá outras providências, em seu Art. 1, afirma: “O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e social, nos termos dos arts. 5o, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias”.
JOÃO BATISTA DE ALMEIDA justifica que o surgimento da tutela consumerista “está assentada no reconhecimento da sua vulnerabilidade nas relações de consumo” (in, A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993. Pág. 15).
Todos somos destinatários finais da água fornecida pelo Poder Público, centralizada ou descentralizadamente.
Outrossim, o consumidor não tem condições de aferir a qualidade da água que recebe e consume diariamente. Como destinatário final, é hipossuficiente e vulnerável. Há sensível desigualdade entre o prestador do serviço de fornecimento de água e o consumidor, eis que não dispõe a coletividade de mecanismos de controle sobre a forma de captação, tratamento e distribuição de água para uso doméstico.
Com brilhantismo, JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO revela que “Tais circunstâncias, além da óbvia conotação econômica do que se deva entender por consumidor, ficam ainda mais evidentes quando se levam em conta, por exemplo, os danos causados por um produto alimentício ou medicinal nocivo à saúde, ou então por um bem de consumo durável perigoso, ficando as vítimas em situação de literal desamparo, não apenas em face de sua impotência ante o produtor, como também pelos frágeis instrumentos de defesa de que dispõem (…)” (in, Manual de Direitos do Consumidor. 5a edição. São Paulo: Atlas, 2001. Pág. 33).
Em seu Art. 3o, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços. Parágrafo Primeiro:. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Parágrafo Segundo: Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
À luz do Código de Defesa do Consumidor, é inegável que o responsável pelo fornecimento de água para consumo doméstico é considerado prestador de serviços, ou seja, fornecedor.
A propósito, espancando qualquer dúvida acerca da condição do Poder Público como fornecedor, EDUARDO GABRIEL SAAD pondera que“Serviços são prestados à população por órgãos federais, estaduais e municipais (limpeza pública, esgotos etc.). É certo, porém, que o poder público, por intermédio de empresas públicas, autarquias e fundações, também assume o papel de fabricante, montador ou importador” (in, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 5a edição. São Paulo: LTr. Pág. 105).
Fixando essa orientação, o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu Art. 6º, considera como direito básico do usuário a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Em seu Art. 22 e parágrafo único, obriga o Poder Público ou seus delegados a fornecerem serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos, dispondo sobre os meios para o cumprimento daquelas obrigações e a reparação dos danos.
É inegável que, fornecendo-se água ao consumo doméstico em desacordo com normas específicas de proteção, veiculadas pelos órgãos técnicos de controle estatal, coloca-se em risco a própria saúde pública.
Preceitua o Art. 196 da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
O moderno Administrador tem que entender que a norma constitucional não é de conteúdo meramente programático, cuja execução fica ao seu talante ou suas variações intestinais. O constitucionalista quis, desejou e impôs a obrigação do Gestor de envidar esforços para garantir o minimo existencial do cidadão, que passa, necessariamente, pela guarnição da saúde.
Se o Poder Público deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
“A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Consoante já proclamou a Suprema Corte, o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
A meta central das Constituições de 1988 é a promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir.
Repito: As normas antes tidas como de conteúdo meramente programáticos (i.e. direito à saúde), devem ser observadas como cogentes, exigindo a prática de Atos Administrativos Vinculados e não Discricionários.
Quantos do povo devem estar passando por enfermidades decorrentes de atos faltosos da execução do serviço pela Ré ?
A garantia de preservação feita pela CF, de 1988 é atribuída, primordialmente, ao MP, que o alçou a agente de promoção dos valores e direitos indisponíveis. Assim, o nobre Parquet, foi transformado em Idealizador do Bem Social. A efetividade de tais normas, lhe são garantidas pela Lei n.º 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente e, mais recentemente, pela Lei n.º 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Identificando valores a serem protegidos mediante ações coletivas, o já citado JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO, com costumeiro acerto, coloca que “na questão da saúde trata-se de prevenir danos à coletividade de consumidores contra produtos nocivos ou perigosos, ou então serviços que tenham tais características, ou então pleitear-se a reparação dos danos efetivamente ocorridos” (in, op.cit. Pág. 402).
Por tudo o que foi exposto neste item, fazemos eco às colocações de BELINDA PEREIRA DA CUNHA ao dizer que: “Parece não restar mais dúvida de que o Direito à prestação dos serviços públicos adequados é tutelado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mesmo entre os próprios fornecedores desses serviços, concessionários ou não, que outrora resistiam a essa idéia” (in, Os direitos do consumidor de serviços públicos e a inclusão do nome do devedor na lista de maus pagadores. Disponível em www.saraivajur.com.br, 25.fev.02).
Nunca é demais lembrar que, identificada a relação de consumo, a responsabilidade do fornecedor é objetiva, nos termos do art. 12,caput, e 22, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
A demora da Ré em proporcionar a reparação dos danos aos consumidores lesados viola, também, a chamada boa-fé objetiva, eis que, sabedores das inúmeras e graves irregularidades que maculam o serviço de abastecimento de água domiciliar, deixam os lesados à míngua.
Integrante da Administração indireta do Estado, a Ré está obrigada por lei a fornecer serviço de água domiciliar adequado, seguro, eficiente e contínuo.
Ex vi do disposto no Art. 6o, parágrafo primeiro, da Lei Federal n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que disciplina o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
Em complemento, o Art. 7o, inciso I, do mesmo diploma legal, ressalva como direito básico do usuário o recebimento de serviço adequado, sem prejuízo do disposto no Código de Defesa do Consumidor.
É sempre oportuna colocação de RENATO ALESSI, “Al concesionario, al lado de los derechos y poderes, se le derivan de la concesión también obligaciones y cargas, muchas de las cuales constituyen lo que pudiéramos llamar la otra cara de los correlativos derechos, como consecuencia del fenómeno que con tanta frecuencia se da en Derecho público, de la estrecha compenetración entre derechos y deberes que tienen por causa última la realización del interés público” (in, Instituciones de Derecho Administrativo. 3ª edição. Tomo I. Bosch, Casa editorial – Barcelona. Pág. 173).
A água é de fundamental importância para a existência da humanidade e deve estar sempre disponível em boa qualidade, garantindo proteção à saúde da população que a consome. Sabe-se que a água é um poderoso solvente, podendo ser veículo de muitos microorganismos causadores de doenças, tais como a cólera e a leptospirose e ainda pode carregar consigo os mais variados elementos dissolvidos ou em suspensão, depois de ter contato direto com o ar e o solo. Com base nestas características, existe a preocupação de monitorar as águas de abastecimento público e verificar se as mesmas se encontram em condições de potabilidade de forma que não ofereçam nenhum risco a saúde da população.
Para atender o padrão de potabilidade, a água de abastecimento deve apresentar quantidades limites para diversos parâmetros físico-químicos e microbiológicos que são definidos pelas portarias do Ministério da Saúde. A potabilidade da água é alcançada mediante várias formas de tratamento, sendo que a mais tradicional inclui basicamente as etapas de coagulação, floculação, decantação, filtração, desinfecção e a fluoretação (FREITAS, 2002).
A Ré não refutou o fato fundante da causa nem os Relatórios apresentados. Também não refutou as irregularidades detectadas pela perícia do Ministério Público, pela Vigilância Sanitária Estadual, pelo ITPS e pelo Conselho Regional de Química.
Cumpre advertir que a cláusula da “reserva do possível” é ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível, não podendo ser invocada pelo Município, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS(“A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245-246, 2002, Renovar): “Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.”
Extremamente pertinentes, a tal propósito, as observações deANDREAS JOACHIM KRELL (“Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 22-23, 2002, Fabris): “A constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado ‘livre espaço de conformação’ (…). Num sistema político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos. Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (…). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social. A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (…) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais.”)
Argüir a Cláusula da Reserva do Possível é até hilariante quando recentemente foi também notório o fato do SAAE haver publicado Edital para contratar por quase Um Milhão de Reais, uma empresa particular para o fim de recuperar receita e reduzir o inadimplemento. Em boa hora e ante a repercussão pública, a Chefia do Executivo intercedeu para evitar tal absurdo. Mas ficou uma lição: se foi capaz de prever tão volumoso gasto, será também capaz de empreender esforços na qualidade da água fornecida.
Conforme dispõe o artigo 273, do Código de Processo Civil, o juiz, a requerimento da parte, poderá antecipar os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial desde que, existindo prova inequívoca(sic), se convença daverossimilhança da alegação; e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa, ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Muito embora conste no versículo o vocábulo “poderá”, parecendo indicar faculdade e discricionariedade do Juiz, na verdade se constitui em obrigação, sendo seu dever conceder a tutela antecipatória, desde que preenchidos os pressupostos legais para tanto, não sendo lícito negá-la pura e simplesmente.
O saudoso doutrinador Humberto Theodoro Jr., no seu livro Curso de Direito Processual Civil, ed II, pág. 558, nos ensina: “Para qualquer hipótese de tutela antecipada, o art. 273, caput do CPC, impõe a observância de dois pressupostos genéricos: prova inequívoca e verossimilhança da alegação, por se tratar de medida satisfativa tomada antes de completar-se o debate e instrução da causa, a lei condicionada a certas precauções de ordem probatória. Mais do que a simples aparência do direito (fumus boni juris) reclamada para as medidas cautelares exige lei que a antecipação de tutela esteja sempre fundada em prova inequívoca. E além dos pressupostos genéricos de natureza probatória, que o art. 273 do CPC condiciona o deferimento da tutela antecipada a dois outros requisitos, ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou então o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”.
A Tutela Antecipada, como fruto de um conhecimento perfunctório, uma valoração provisória da pertinência da causa, exige um Juízo de Probabilidade Máxima para o seu deferimento. Entretanto, quando concedida na Sentença, exigirá um Juízo de Certeza, fundado na Verdade Real e na Prova Inequívoca.
Invoco a lição do Mestre Pedro Lenza, ao examinar uma a uma as mudanças conceituais trazidas pela lei que regula a Ação Civil Pública.in Teoria Geral da Ação Civil Pública, pag. 377:
“Em relação à Justiça das decisões, imprescindível a mudança de postura da magistratura. Isso porque, conforme visto, todas essas transformações também influenciarão o juiz que, além de ter o exato conhecimento da realidade sócio-política-econômica do País onde judicia, deverá assumir um papel ativo na condução do processo, superando a figura indesejada do ‘Magistrado Estátua’.
Imparcialidade não deve ser confundida com‘neutralidade’, ou comodismo. O juiz deve ter uma participação mais efetiva, especialmente, quando o objeto da discussão envolver bens transindividuais.”
Fundada no agora decantado “sincretismo processual”, a referida lei veio trazendo o Princípio da Fungibilidade das Tutelas de Urgência, bem antes da reforma do CPC.
Na peça preambular, o requerente apresentou, opericulum in mora, a que se reporta o art. 273, inciso I, do Código de Processo Civil, estando presente no caso sub judice, que a população vem consumindo água sem o requisito da continuidade e, provavelmente, contaminada, diante das informações constantes dos laudos colacionados, com iminente risco para a saúde pública. Ainda, os efeitos práticos da decisão final futura, em caso de procedência do pedido, estarão ameaçados, uma vez que o Município deverá incluir no orçamento, verba o suficiente para a correção das irregularidades detectadas pelo IPTS, pelo Conselho Regional de Química, pela Vigilância Sanitária e pelo Ministério Público, sob pensa de inviabilidade financeira, o que certamente acarretará prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
Ex positis, excluo o Município de São Cristóvão da relação processual, na forma do Art. 267, inciso VI, do CPC, e julgo procedente o pedido para o fim de condenar o Réu, SAAE – SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO, à obrigação de fazer consistente em corrigir as irregularidades detectadas dentro do prazo de 30 dias, bem como incluir no Orçamento, verba suficiente para corrigir as irregularidades detectadas pela perícia do Ministério Público, pela Vigilância Sanitária Estadual, pelo ITPS e pelo Conselho Regional de Química, nas Estações de Tratamento do Cristo e do Rio Comprido, reestruturando-as, para que se distribua água potável, bem como que promova a duplicação do sistema de distribuição e tratamento da ETA do Cristo.
Não cumprida a obrigação de regularização da qualidade da água em 30 dias, desde já fica decretada a interdição da ETA do Cristo e da ETA do Rio Comprido.
CONCEDO a tutela pretendida, determinando que o Réu seja compelido a: incluir no orçamento, verba suficiente para corrigir as irregularidades detectadas pela perícia do Ministério Público, pela Vigilância Sanitária Estadual, pelo ITPS e pelo Conselho Regional de Química, nas Estações de Tratamento do Cristo e do Rio Comprido, reestruturando-as, para que se distribua água potável, bem como que promova a duplicação do sistema de distribuição e tratamento da ETA do Cristo, sob pena de multa diária noquantum de R$ 10.000,00(dez mil reais), a ser revertida para o Fundo Estadual de que trata a Lei n° 7.347/85, direta e pessoalmente ao Diretor-Presidente, sem prejuízo do enquadramento no Crime de Desobediência.
Condeno a Ré nas custas processuais.
Informações do Portal Caju News