*Eudes Quintino de Oliveira Júnior
A Constituição Federal, ao explicitar seus princípios fundamentais, conferiu especial relevo à dignidade da pessoa humana no âmbito do Estado Democrático de Direito. Adornou o cidadão com direitos e deveres individuais e coletivos na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Daí que, com a elasticidade conveniente, ultrapassando os estreitos da lei, apresentou o ir e vir como a carta de alforria do cidadão, querendo garantir a liberdade e segurança de todos os seus passos.
Proposta que, apesar de desejada e louvável, caiu por terra pela insegurança que assola o país, frustrando não só a lei como também seus destinatários.
A imprensa alardeia todos os dias aos quatro cantos os atos de violência praticados individualmente ou em grupos, alguns devidamente associados e voltados para a prática do ilícito com finalidade lucrativa, outros, mesmo sem qualquer acordo preliminar, como nas manifestações públicas, acabam aderindo a atos de vandalismos, até com resultado morte. Muitos crimes ultrapassam os limites da hediondez e o cidadão, aquele que convive neste clima de total insegurança, doído de tantas decepções, virou a página da esperança e minou sua credibilidade no estado de direito, agora minúsculo.
O tema da violência urbana se exibe, há muitos anos, como se fosse a última grife e rende dividendos inesgotáveis de notícias e comentários. Todos os dias, até mais que o futebol, lembrando que as torcidas organizadas realizam protestos com violência, dentro do campo ou até mesmo na sede das agremiações, atropela os acontecimentos e vem estampado na primeira página dos jornais ou no primeiro bloco de notícia de rádio e televisão. É frustrante ver a escalada estarrecedora de crimes de conteúdo explícito de violência continuar a crescer sem limites e a sociedade acuada, com o torniquete de sua liberdade apertado ao extremo.
A evolução ou até mesmo a revolução da violência, ocorreu de forma rápida, num crescendo previsível em que o Estado podia antever dias piores. A sociedade, que aceita regras e normas de conduta, por sua vez, na omissão estatal foi, por sua própria iniciativa, assimilando as novas regras do jogo e procurou conviver com a violência. Não adormecida em berço esplêndido, mas a exigir que pelo menos a violência seja mantida num limite razoável.
A causa ou as causas que poderiam ter sido combatidas no início, quando ainda detectadas, ganharam corpo e impedem uma ação mais direcionada para a restauração da segurança pública.
Pode-se dizer que a lei brasileira trata com benignidade o infrator e favorece a impunidade, quando da prática de crimes considerados graves com relevante rejeição social. Isto porque, apesar de estabelecer penas exasperadas, não são cumpridas em sua totalidade em razão dos vários benefícios que vão se acumulando em favor do sentenciado. Se forem delitos de criminalidade não tão expressiva, são alcançados pelas penas alternativas como, por exemplo, a prestação de serviços à comunidade. Ocorre que o cidadão não está preparado para receber tal benesse em razão do seu despreparo social.
Mas, por outro lado, o país descuidou-se da educação infantil e da moralidade pública e, qual rio caudaloso, vai levando de roldão os bons princípios, que ainda com dificuldades se fincam às margens. Uma sociedade, por menor e mais simples que seja, deve ter suas regras para estabelecer as condições de convivência harmônica e cada homem deve fazer aquilo que for bom e conveniente para o grupo.
Os preceitos morais vêm do berço, da família, da educação, da crença religiosa, do respeito aos mais velhos, do comprometimento social, da solidariedade, divorciados de um regime de coação, que é a lei impondo obediência irrestrita às regras catalogadas no contrato social. De nada adianta apressar o Congresso Nacional para elaborar mais leis se os ditames básicos de convivência não são atendidos.
E o círculo do inconformismo vai por aí afora, assistindo a um verdadeiro concubinato entre a sociedade civilizada e a criminalidade. E o pacato cidadão não tem a segurança para ir a qualquer lugar e muito menos a certeza de dele retornar. E muito menos de permanecer em casa, hoje chamada de prisão domiciliar.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, doutorado e pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp.