Do Congresso em Foco
Na pauta do plenário da Câmara desta semana, o projeto de lei que altera a legislação antidrogas no país para torná-la mais rígida é alvo de críticas de entidades e movimentos que atuam na defesa dos direitos humanos e na luta antimanicomial. A principal resistência se dá relação a um dispositivo do texto que permite a internação involuntária de dependentes químicos por até seis meses. Diferentemente da internação voluntária, aquela que ocorre por vontade do dependente, ou da compulsória, determinada pela Justiça, a internação involuntária é feita a pedido de terceiros – um familiar, médico ou servidor público.
Em carta assinada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e respaldada por outras 418 entidades da sociedade civil, especialistas apontam aos deputados riscos de retrocesso caso o Projeto de Lei 7663/2010 seja aprovado pelo Congresso. “Políticas emergenciais de internação involuntária e compulsória caminham na mesma direção dos modelos repudiados desde a década de 40 do século XX, rejeitados pela luta antimanicomial e pela reforma psiquiátrica, que demonstraram a ineficácia do sistema de segregação em equipamentos fechados, que representavam espaços de reclusão, miséria e reprodução da violência”, diz o documento.
Pressão
O Conselho também elaborou um parecer técnico sobre o Projeto de Lei 7663/2010, em que contesta diversos pontos do texto, como o aumento da pena de prisão para usuários de drogas e a institucionalização de um cadastro nacional de usuários de entorpecentes.
“O Projeto de Lei nº 7663/2010 possui pelo menos um mérito: ele reúne em um mesmo texto todos os equívocos e todas as ilusões de nossa história no que diz respeito às políticas públicas para drogas”, afirma o parecer. Segundo o documento, as propostas de Osmar Terra apresentam abordagens tradicionais e conservadoras que levarão a um aumento das prisões e do tempo de privação da liberdade. Para as entidades, as medidas criarão uma “indústria de internações compulsórias, regredindo nas iniciativas de redução de danos, aumentando de forma exponencial a despesa pública e violando os direitos elementares de pessoas em situação de fragilidade social”.
Em relação ao aumento de pena para usuários de drogas, o parecer critica a ausência de justificativa para tal medida. “Trata-se, apenas, de criar dificuldade extra e constrangimento maior aos usuários adultos, para quem o Estado brasileiro não reconhece a liberdade de escolha dos produtos que desejam consumir, ainda que desta escolha só possa decorrer mal a eles próprios”, diz o texto. Pela proposta, os usuários adultos de drogas, mesmo que não sejam dependentes, devem ser submetidos à medida de comparecimento a programa ou curso educativo por até dois anos. O estudo considera essa obrigatoriedade uma “insanidade sem precedentes” porque o número de usuários de drogas no país passa de 11 milhões de jovens e adultos, de acordo com levantamento do Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas (Inpad), da Unifesp.
Como há a possibilidade de o projeto ser votado em regime de urgência nesta semana, representantes da Frente Nacional sobre Drogas e Cidadania, que reúne 43 instituições da sociedade civil, irão ao Congresso amanhã (10) para tentar persuadir os deputados.
“Estamos em um momento de muita delicadeza e muito risco porque a sociedade pede uma resposta. Esse projeto aparenta dar essa resposta, mas ele simplifica a questão e apresenta medidas que já sabemos que não são eficazes. Muitos parlamentares demonstraram uma surpresa porque, de fato, não conheciam o projeto. Eu acho que aqueles que se detiveram a ler o parecer que entregamos, nos procuraram e nos questionaram”, afirma Monalisa Barros, diretora do CFP.
O grupo ganhou importante aliado na semana passada contra o projeto. O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), defendeu a retirada da proposta de pauta para rediscutir os termos do texto, já aprovado pelas comissões. Os ministérios da Justiça, Saúde e Educação já emitiram nota contrária ao projeto. Como mostrou o Congresso em Foco, a bancada do PT na Câmara propõe que a discussão seja reiniciada, com a inclusão dos senadores no debate, por meio da formação de uma comissão mista.
Autor se defende
No entanto, segundo o autor da proposta, Osmar Terra (PMDB-RS), o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), garantiu aos deputados da comissão especial que analisou o projeto de que ele será votado amanhã. “É um compromisso que ele fez com a gente. Vamos votar. Se precisar, votamos contra o governo. E quem quiser, vota contra o projeto. O que não dá mais é para esperar”, explicou Osmar em entrevista ao Congresso em Foco.
O deputado diz ver com naturalidade as críticas à sua proposta. Mas ressalta que o número de pessoas e entidades que apoiam o seu projeto de lei supera o de críticos. “Já passou do tempo de votarmos o projeto. Discutimos ele durante três anos na comissão. Todo mundo que quis falar sobre ele já falou. Se tem gente que critica, tem mais ainda quem apoie o projeto. Sempre vai ser assim”, disse. Para o peemedebista, a internação involuntária é um passo importante para um combate mais eficaz às drogas, porque evitaria tratamentos de urgência, “pois tratará a pessoa que já perdeu tudo, que já ameaça a família e não tem outra solução”, diz.