Para vice-PGR e coordenadora da Câmara das Populações Indígenas, a data não é para comemoração, mas para alertar sobre os direitos humanos dos índios
O Ministério Público Federal (MPF) promove, nesta segunda-feira, 10 de dezembro, atuação conjunta nos estados para chamar atenção ao Dia D da Saúde Indígena. O trabalho envolve o ajuizamento de ações civis públicas e recomendações a órgãos públicos, a fim de proporcionar, proteger e recuperar a saúde das comunidades indígenas em todo o país.
“Esta é uma data internacional de atenção aos direitos humanos dos índios. Temos o projeto de tornar esta sociedade melhor, mais plural, mais justa”, declarou a vice-procuradora-geral da República e coordenadora da Câmara das Populações Indígenas do MPF, Deborah Duprat. De acordo com ela, “está faltando tudo: médico, remédio, transporte para levar pacientes para os hospitais. O quadro é de extrema indigência”.
“A ideia da ação integrada surgiu quando notamos que o problema era nacional. A mesma causa se repetia em todas as nossas áreas de atribuição”, explicou o procurador da República em Paulo Afonso (BA) Leandro Mittidieri. A vice-PGR enfatizou que não são casos isolados. “Queremos mostrar ao Judiciário que este não é um problema localizado, situado em um único estado. Pelo contrário, ele está distribuído de forma absolutamente igual, em diferentes estados da Federação”, alertou.
Com base nos dados do Censo 2010, o Instituto Brasileiro da Geografia e Estatística (IBGE) revelou que a população indígena no país cresceu 205% desde 1991. Atualmente, o grupo atinge 896,9 mil, tem 305 etnias e fala 274 idiomas. Segundo a pesquisa, a maior concentração populacional indígena reside no Amazonas, com 168,7 mil pessoas (20,6%), e a menor no Rio Grande do Norte, com 2,5 mil pessoas (0,3%).
O descaso público e a situação caótica aumentaram de forma proporcional ao crescimento da comunidade indígena, conforme indica o último relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “A atenção à saúde indígena no Brasil no ano de 2011 foi marcada pela inoperância e pela omissão, o que serviu para agravar ainda mais o cenário de caos absoluto que atinge a saúde das comunidades indígenas nos últimos anos”, alarmou o médico e membro do Cimi Paulo Daniel Moraes, no relatório. Para ele, “muitas ações são implementadas pelos órgãos responsáveis somente depois da intervenção do Ministério Público Federal”.
Atuação no Dia D – No Dia D da Saúde Indígena, o MPF vai expedir, em média, três recomendações e ajuizar cinco ações civis públicas em diversos estados, uma dessas, ajuizada pelo MPF em Sergipe. Em 2012, o MPF instaurou 98 inquéritos civis públicos para apurar o estado crítico da saúde indígena e cobrar políticas públicas de atenção ao caso.
As recomendações tratam do pedido à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para que atenda aos índios que não residam em terra demarcada, para construção de postos de saúde nas aldeias e, por fim, para prestação de contas da Secretaria e aplicação correta dos recursos do Incentivo de Atenção Básica aos Povos Indígenas (IAB-PI), um saldo remanescente recebido pelas prefeituras no passado e não utilizado.
As ações civis públicas cobram o atendimento aos índios em área sem demarcação, em caso de descumprimento das recomendações. Além disso, exigem do poder público o fornecimento de medicamentos e tratamento de água nas aldeias, assim como a melhoria no transporte aos pólos base e na estrutura das Casas de Apoio à Saúde do Índio (Casai).
Sesai – O principal motivo do conjunto de medidas nacionais, segundo Mittidieri, “foi a identificação da total falta de estrutura do órgão que assumiu a saúde indígena, a Sesai”. Em 2010, o governo federal transferiu as ações da saúde indígena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) ao Ministério da Saúde (MS). A Sesai é a área do MS criada para coordenar e executar o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Para o procurador da República no Amazonas Júlio José Araújo Júnior, “a Sesai representa uma grande conquista para os povos indígenas, mas o problema que se constata é que, passados mais de dois anos desde essa mudança, não se veem resultados. Pelo contrário, a situação piorou, pois não tem sido feita boa gestão dos recursos”.
Na opinião do procurador da República na Paraíba Duciran Farena, a recusa da Sesai em cumprir com seus deveres legais obriga o Ministério Público a ingressar judicialmente, a fim de evitar o agravamento do panorama já penoso da saúde indígena.
Demarcação de terras – O impasse na regularização de terras indígenas influencia, inclusive, na atuação da Sesai e na saúde indígena. “Há perfeitamente uma correlação entre a falta de demarcação de terras e o estado caótico da saúde indígena”, pontuou Mittidieri. Segundo o procurador, “a qualidade de vida da comunidade aumenta muito depois de a terra ser regularizada devidamente, com todos os registros e proteções, criações de postos de saúde e da Fundação Nacional do Índio”.
Araújo Júnior explicou que “há uma recusa de atendimento dos indígenas pelo simples fato de não estarem em aldeias, nem em áreas demarcadas ou regularizadas”. Na visão do MPF, é uma negativa injustificável e, por isso, cobra para que a Sesai reveja esse posicionamento.
“A partir do momento em que há uma instabilidade em relação à delimitação de terras indígenas, se propicia um discurso que não é verdadeiro: os índios não ostentariam essa condição, por estarem, numa visão antiga, integrados. A Constituição Federal de 1988 rejeita essa dicotomia de índios integrados e não-integrados”, esclareceu Mittidieri. Para o procurador, o fato de ser índio com peculiaridades socioculturais deve ser levado em conta.
Em razão da seriedade dessa negligência, Mittidieri destacou que a maior atuação do MPF em relação aos direitos indígenas é “para que se conclua o que o constituinte de 1988 determinou sobre a regularização de todas as terras indígenas em cinco anos”. O procurador da República em Alagoas José Godoy lamentou que “o governo esteja em mora há 19 anos e utilize a mora em seu favor para não atender aos índios que não estejam em terras não demarcadas. É uma situação inaceitável”.
Godoy lembrou que os índios mais pobres do Brasil são os residentes na região Nordeste, justamente aqueles que não têm acesso à terra. “Essa pobreza influencia diretamente na saúde, em razão da desnutrição, falta de saneamento, moradia e uma série de outros itens”, afirmou.
Descaso público – Relatório do Cimi diz que em 2011, foram registrados 53 casos de desassistência na área de saúde. A situação de descaso na área de saúde atinge mais de 35 mil pessoas, em diversas regiões do país.
O documento também verificou que “em todas as regiões do Brasil as comunidades e povos reclamam e protestam contra o governo brasileiro, em especial contra o ministro da Saúde, em função do abandono a que estão submetidos os distritos sanitários e os pólos base. Não há profissionais de saúde, medicamentos, equipamentos, transporte e muito menos assistência nas áreas indígenas”.
O relatório alertou para a gravidade da situação: a morte pode ser a consequência final da desassistência à saúde. “São mortes, em geral, evitáveis, caso existissem políticas eficazes de atendimento à saúde, infraestrutura adequada nas comunidades e pessoas bem preparadas para o trabalho médico voltado para a população indígena”, sobressaltou.
Diante do quadro de descaso público, a vice-PGR informou que “o MPF tem trabalhado diversas estratégias, com a missão de equipar melhor a saúde indígena em termos de recursos materiais e de recursos humanos”.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal em Sergipe