*Por Mendonça Prado
A Constituição de 88 estabeleceu competência para instituir e cobrar tributos aos três entes federados: União, Estados e Municípios. Com um pacto federativo e a garantia das autonomias política e administrativa, todos imaginavam que as três esferas teriam condições de promover o desenvolvimento socioeconômico de forma equilibrada.
Com o passar dos anos, a crescente superioridade política da União revelou que o equilíbrio de forças almejado pelo legislador constituinte não passava de mera utopia. Através de ações legislativas patrocinadas pelo governo central, o sistema tributário começou a ser enxertado por contribuições que destinam recursos exclusivamente aos cofres da União. A carga tributária, que já era elevada, tornou-se descomunal, massacrando os contribuintes. Além disso, beneficiou um ente em detrimento dos demais, pois os tributos denominados contribuições não são compartilhados e, por essa razão, resolve, somente, os problemas de caixa do governo instalado em Brasília.
Como se não bastassem as distorções do sistema tributário nacional, inumeráveis responsabilidades foram impostas aos Estados e Municípios nos últimos anos. Aumentaram-se os custos, mas as arrecadações não acompanharam. Caso diferente do que ocorre com a União que, a cada ano, apresenta números crescentes relativos ao dinheiro recolhido pelo órgão competente.
Diante dessas deformidades, governadores e prefeitos tornaram-se pedintes obrigados a peregrinar em Brasília com o intuito de abiscoitar algumas migalhas do Orçamento Geral da União (OGU). Sem esses preciosíssimos repasses, não há como realizar algo que mude de forma efetiva a infraestrutura dos territórios sob suas jurisdições. Logo, comprova-se que o existente no Brasil é um sistema hierárquico, contaminado por uma política arcaica e clientelista.
Destarte, a decantada autonomia administrativa, que ornamenta o texto constitucional, não passa de mais uma sopa de letras sem sentido prático. Como dizer que é autônomo um ente federado que para construir um equipamento público, depende de recursos do outro? Isso não é autonomia, isso é sujeição.
Quando analisamos os chamados tributos compartilhados, a exemplo do IR – Imposto de Renda e do IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados, de competência da União, observamos que os mesmos têm relevância fundamental para o governo federal e também para a municipalidade. Entretanto, no caso dos Municípios, eles, aos poucos, estão se tornando uma espécie de pesadelo. Como constituem o FPM – Fundo de Participação dos Municípios-, maior receita da maioria das cidades brasileiras, e está sob a égide do governo federal, todas as vezes que o governante da República isenta ou reduz alíquotas por qualquer motivo, o planejamento da administração municipal é afetado gravemente.
Nos últimos tempos, sob o argumento de que precisava aquecer a economia e assegurar empregos para os trabalhadores da indústria automobilística, o governo federal reduziu alíquotas do IPI concernente à produção de automóveis. Com isso, diminuíram-se os valores que integram o FPM. Ou seja, para favorecer a indústria no sistema econômico através de um método cômodo, o governo subtraiu as receitas municipais e posou como salvador da pátria para trabalhadores e industriais do sul e sudeste. Mas, e a quebradeira das cidades do norte e do nordeste, quem é o responsável?
É por essas e outras que eu cobro diuturnamente a realização de uma reforma tributária. Não podemos continuar com um sistema que se baseia em um modelo de federalismo desvirtuado. Nele, somente a União tem direitos e os Estados e Municípios, apenas deveres. O governo federal já amealha 64% de tudo que é pago pelo meio de tributos. Um verdadeiro contrassenso.
Infelizmente, neste país, há negligência com o que é imprescindível. As implicações são evidentes como as carências em diversos setores essenciais. Um país rico, que precisa de água, energia, saneamento básico nos locais desprovidos por falta de dinheiro, consome bilhões para construir estádios de futebol, trens balas e outros itens que não poderiam estar no bojo de determinados projetos, sem que antes fosse oportunizado o mínimo de dignidade a todos os brasileiros.
* É Mendonça Prado – deputado federal (Democratas/SE)