Após quase cinco horas de exposição, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a condenação e a prisão imediata de 36 dos 38 réus do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), durante o segundo dia do julgamento, nesta sexta-feira (3).
Gurgel confirmou o pedido de absolvição dos réus Luiz Gushiken, ex-secretário de Comunicação do governo, e Antônio Lamas, ex-assessor da liderança do PL (hoje PR) na Câmara, por falta de provas. No final da exposição, Gurgel disse ter sido alvo de um onda de ataques por conta do julgamento. “Jamais enfrentei nada sequer comparável à onda de ataque a partir do momento que aleguei acusações finais”, disse.
O desabafo de Gurgel é em resposta às críticas que recebeu por não ter acionado o Supremo após receber as conclusões da Operação Vegas, da Polícia Federal, em 2009, que investigava os negócios do Carlinhos Cachoeira e o envolvimento no esquema do então senador Demóstenes Torres (sem partido, ex-DEM-GO).
Às 19h48, o presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, suspendeu o julgamento, que será retomado na próxima segunda-feira (6) com as alegações das defesas dos réus.
JOSÉ DIRCEU
Em vários momentos de sua sustentação, Gurgel afirmou que o ex-ministro José Dirceu foi o idealizador e protagonista do esquema de corrupção. “José Dirceu foi a principal figura, o mentor, o grande protagonista do mensalão. Foi ele quem idealizou o sistema ilícito”.
Sobre a suposta falta de provas contra Dirceu, tese sustentada pela defesa do ex-ministro, Gurgel alega que, “assim como um chefe de quadrilha”, Dirceu não aparece com frequência durante os acordos do esquema.
Para tentar convencer os ministros de que Dirceu centralizou o esquema, Gurgel afirmou que, em seu depoimento, o réu Valdemar Costa Neto, na época líder do PR disse que os encontros para tratar do mensalão ocorreram “sempre na residência de Dirceu”.
O procurador-geral citou também o depoimento do Marcos Valério, no qual ele teria dito que “Dirceu sabia das operações feitas para financiar os acordos políticos” e que “nada, absolutamente nada, acontecia sem a prévia autorização de Dirceu.”
Dirceu pediu demissão da Casa Civil em meio ao escândalo e teve o mandato de deputado federal cassado em dezembro de 2005, por quebra de decoro parlamentar. Ele responde por formação de quadrilha e corrupção ativa.
Em sua defesa, o ex-ministro nega ter comprado apoio de parlamentares. Seus advogados dizem ainda que sequer há evidências que comprovem a existência do mensalão. Segundo a defesa de Dirceu, ele afirma que se desligou das atividades do PT após assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil.
A defesa diz ainda que Delúbio Soares não agiu sob sua orientação, pois teria autonomia para atuar na legenda. Por fim, os advogados do ex-ministro afirmam que Dirceu não tinha proximidade com Marcos Valério nem interferência sobre as ações do publicitário.
VALÉRIO E MENSALÃO MINEIRO
O procurador-geral afirmou que o publicitário Marcos Valério –acusado de ser líder do núcleo operacional e financeiro do caso– ofereceu ao PT um esquema de desvio de recursos que já existia em Minas Gerais.
“O Marcos Valério ofereceu ao PT um esquema já existente em Minas Gerais”, disse, em referência ao mensalão mineiro, suposto esquema de arrecadação ilegal de recursos, com participação de Valério, para a campanha de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) a governador do Estado em 1998.
Em 2007, a Procuradoria Geral da República denunciou Azeredo sob acusação de peculato (uso de cargo público em benefício próprio) e lavagem de dinheiro. A defesa do tucano alega que a acusação é “vaga”. Na sua sustentação, entretanto, Gurgel não citou nominalmente o mensalão mineiro, nem Azeredo.
Ainda segundo Gurgel, Valério passou “de mero financiador” do mensalão, a “personagem influente, com o poder para negociar com a base aliada do governo”. “Ele tornou-se homem da mais absoluta confiança de José Dirceu”, afirmou.
De acordo com o procurador-geral, o publicitário recebia da direção do PT os nomes dos políticos que receberiam o mensalão e providenciava a entrega do dinheiro em hotéis e agências bancárias. “Ele passou a atuar como interlocutor privilegiado do núcleo político [do mensalão] em vários eventos”, disse. “Também intermediava interesse de empresários junto ao governo federal.”
Valério é acusado de formação de quadrilha, peculato, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Sua defesa alega que os empréstimos de suas duas empresas de publicidade –que tinham contratos com o governo federal– foram legítimos e que o dinheiro entregue ao PT era destinado ao pagamento de dívidas de campanha.
USO DE CARRO-FORTE
Segundo Gurgel os supostos envolvidos no esquema contratavam policiais e usavam carros-fortes para transportar os recursos que abasteciam o mensalão, já que, de acordo com ele, alguns saques chegaram a R$ 650 mil. “Ou se contratavam policiais para os saques em dinheiro ou se recorria a contratação de carros-fortes, tamanha era a magnitude dos valores.”
COMPRA DE DEPUTADOS
A tese que Gurgel procurou sustentar é a de que saques vultosos do mensalão foram realizados às vésperas de votações de projetos importantes no Congresso Nacional durante o primeiro mandato do governo Lula. Segundo o procurador, o dinheiro era usado para comprar o voto de parlamentares da base aliada.
“Sempre nos dez dias anteriores ou posteriores a uma votação relevante havia também a movimentação de vultosos valores em espécie. Isso não se provou nos autos aqui, se provou na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito)”. O dinheiro, segundo Gurgel, era sacado das contas das agências do publicitário Marcos Valério e repassado a partidos da base aliada.
A tese de Gurgel é que os recursos desviados no esquema, além de financiarem campanhas eleitorais, serviram para o governo “comprar” parlamentares e, dessa maneira, conseguir aprovar projetos no Congresso, o que a maioria dos réus nega.
O procurador cita a votação das reformas tributária e previdenciária, em 2003, aprovadas pelo Congresso com rapidez, como exemplos de sua acusação. No caso da reforma tributária, Gurgel diz que foram movimentados R$ 2 milhões.
PT E PTB
Gurgel disse ainda que o PT ofereceu, em 2003, R$ 20 milhões ao PTB para que a legenda passasse a compor a base governista. Segundo ele, as negociações entre os partidos foram intermediadas pelo então ministro dos Transportes, Anderson Adauto, à época filiado ao PL. Pelo lado do PTB, quem dava as diretrizes, segundo o procurador-geral, era Roberto Jefferson, presidente da sigla e delator do esquema.
“O acordo era de que o PT pagaria R$ 20 milhões ao PTB. Em reunião entre representantes dos dois partido, Jefferson questionou ‘de que forma vai ser feito esse repasse?’. José Genoino [presidente do PT na época] respondeu: ‘vamos fazer através de partido a partido ou ajuda a contribuição’”.
De acordo com Gurgel, o PTB recebeu do PT R$ 4,54 milhões, por meio da empresa do publicitário Marcos Valério. O restante acordado, por algum motivo não explicitado, não foi pago.
Do UOL, em Brasília e em São Paulo