A Justiça julgou procedente ação civil pública movida pelo Ministério Público e condenou o prefeito de São Cristóvão, Alex Rocha, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos por cinco anos, ao pagamento de multa civil de 100 vezes a remuneração recebida e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03(três) anos. A sentença foi proferida na tarde desta quarta-feira (09), pelo juiz Manoel Costa neto, da Comarca de São Cristóvão.
Leia abaixo a íntegra da sentença.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, por seu Promotor de Justiça,propôs AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de ALEXSANDER OLIVEIRA DE ANDRADE, conhecido e qualificado na exordial, por acusação de prática de Ato Administrativo considerado como de Improbidade, aduzindo que, a partir de “denúncia” encaminhada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe – SINTESE, tomou conhecimento da precariedade da estrutura física por que passam as escolas municipais. Diante das informações, ajuizou Ação Civil Pública tombada sob o nº 200983000701, onde verificou que o Réu, ocupando o cargo de chefe do executivo municipal, deixou de aplicar no exercício financeiro 2009, o percentual mínimo de 25% da receita municipal, destinado por lei à manutenção e desenvolvimento da educação, previsto no Art. 212, da Constituição Federal de 1988. O Relatório encaminhado pela empresa contratada para efetuar a contabilidade das contas municipais, constatou que o Réu, efetuou gastos de apenas R$ 5.918.199,00(cinco milhões novecentos e dezoito mil cento e noventa e nove reais), restando um déficit de R$ 1.601.474,81(um milhão seiscentos e um mil quatrocentos e setenta e quatro reais e oitenta e um centavos), tendo inclusive o Réu reconhecido a situação ao apor sua assinatura no referido Relatório. Assim, requereu a condenação do Réu nas penas previstas no inciso III, Art. 12, da Lei 8.429/92. Juntou documentos fls. 05/26.Às fls. 26-v, foi determinada a notificação.Notificado, fls. 27-v, o Réu apresentou defesa prévia, fls. 29/41, alegando, em suma, a competência comum entre o Município e o Estado para desenvolvimento da educação; a aplicação da cláusula da reserva do possível, por inexistência de recursos, havendo ações mais urgentes e prioritárias; a inexistência de dotação orçamentária; a limitação da intervenção do judiciário nas politicas públicas, com descumprimento do princípio da separação dos poderes; e a inexistência de ato de improbidade administrativa, ante ausência de elemento subjetivo “dolo”. Requereu a rejeição da Ação.Às fls. 43-v, o MPE pugnou pelo julgamento antecipado.
Às fls. 44, foi recebida a inicial e determinada a citação do Réu.
Citado, fls. 45-v, o Réu apresentou contestação, fls. 51/63, alegando a competência comum entre Estado e Município para o desenvolvimento da educação, a insuficiência de recursos públicos municipais, a impossibilidade financeira do ente federado; a limitação da intervenção do judiciário em políticas públicas do executivo; a ofensa ao princípio da separação dos poderes; a inexistência de ato de improbidade administrativa, ante a ausência de elemento subjetivo, o Dolo. Afirmou, ainda, que, embora não tenha realizado os investimentos durante o ano de 2009, tais foram realizados em 2010, cumprindo a determinação ainda que tardiamente. Pugnou genericamente por prova testemunhal e pericial para verificação do índice efetivamente aplicado e, no mérito, o julgamento improcedente do pedido.
Às fls. 65-v, o MPE ratificou a cota de fls. 43-v, requerendo o julgamento antecipado.
Eis o breve relato. DECIDO.
O caso em testilha trata de Ação Civil Pública tendo por objeto a apuração de atos considerados como de Improbidade Administrativa, ajuizada pelo MPE visando a condenação do Réu Alexsander Oliveira de Andrade, por acusação de não ter aplicado o percentual mínimo de 25% na manutenção e desenvolvimento da educação no exercício financeiro de 2009, em desconformidade com a Constituição Federal e a Lei 8.429/92, ofendendo aos Princípios da Administração Pública.
Evidenciada a legitimidade do parquet estadual para a propositura desta demanda, no exercício de suas nobilíssimas atividades, já que o art. 129, III, da Constituição Federal disciplina, como uma das funções institucionais do Ministério Público, promover a Ação Civil Pública, visando a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, e de outros interesses difusos e coletivos.
Vislumbro a desnecessidade de instrução do feito, visto que a matéria agitada é de fácil apreciação, embora composta por elementos de fato e de direito. Os aspectos fáticos iniciam-se pelo exame da documentação acostada em sua fase regular, não havendo necessidade de produção de prova oral em audiência, ensejando a possibilidade de julgamento antecipado da lide, encaixando o pedido autoral no inciso I do art. 330 do Diploma Processual Civil.
Após a fase postulatória, o Juiz deve observar detidamente a questão. Sentindo-se suficientemente convencido dos fatos expostos pelas partes e observando não carecerem de produção de provas, deverá antecipar o julgamento da demanda. Da mesma forma agirá quando as provas documentais anexadas aos autos pelo autor o levarem ao exaurimento da cognição acerca dos fatos expostos.
A Jurisprudência é assente:
“(…)1. O julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC), não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória. (Precedentes). 2. O art. 131, do CPC consagra o princípio da persuasão racional, valendo-se o magistrado do seu livre convencimento, que utiliza-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto, rejeitando diligências que delongam o julgamento desnecessariamente. Trata-se de remédio processual que conspira a favor do princípio da celeridade do processo.(…)”(AgRg no REsp 417830 / DF; AGREsp 2002/0019750-3 Ministro LUIZ FUX T1 – PRIMEIRA TURMA DJ 17.02.2003 p. 228)
Apenas para impedir eventuais motivações recursais quanto à prescindibilidade de audiência instrutória, esclareço que a prova em juízo deve se prender a fatos Pertinentes, Necessários e Relevantes à formação da convicção do Juiz. A análise daquilo que seja “ponto controvertido” a ser demonstrado quando da audiência de instrução e julgamento passa pela existência de “fato” que seja “dependente de prova oral”. Não se pode conceber que haja fato controverso quando este faz dissipar dúvida por prova documental ou pericial. A audiência instrutória, apesar de ser corolário do Principio do Contraditório e da Ampla Defesa, não deve ser utilizada como instrumento de postergação de feitos ou satisfação pessoal da parte de ser ouvido pelo Juiz. Tal ato deve ser utilizado apenas para a colheita de prova oral imprescindível ao julgamento.
Os pontos dependentes de prova oral também não podem advir de avaliações subjetivas. O Testemunho compromissado ou descompromissado se prende a FATOS, e não a roupagem jurídica do fato.
Consoante dispõe o art. 400 do CPC: “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso”.
O Direito à Prova é componente inafastável dos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa, portanto ressalta-se que o problema não pode ser tratado apenas pelo ângulo infraconstitucional, como mero Ônus da Prova, segundo o Art. 333 do CPC. É necessário proceder à exame minucioso do ponto de vista das garantias constitucionais ao instrumento efetivo e adequado à solução das controvérsias, dotando de efetividade suficiente assegurada ao titular do interesse juridicamente tutelado em sede material e processual.
A regra é da possibilidade da parte se valer de qualquer fonte ou meio de prova, desde que legal e moralmente legítimo, segundo rege o Art. 332 do CPC. Estes são os Limites da Prova. O meio e a produção da prova, portanto, como espécies da garantia constitucional do Direito à Prova da qual é gênero, inserida no setor constitucional de forma efetiva, dá-lhe segurança jurídica e é considerado válido pelo Juiz.
A moderna compreensão do instituto jurídico da Prova apenas pela categoria do Ônus probatório, é eminentemente negativa, porque atribui a cada uma das partes a possibilidade de agir em juízo, que é acompanhada dos riscos inerentes às incertezas ocasionadas quando os fatos não forem satisfatória e integralmente demonstrados.
Percebe-se a necessidade da reformulação do ônus da prova processual, a fim de que o Processo seja concebido como um instrumento mais eficiente para a atuação do direito material, e para conseguir pacificar, com justiça, os conflitos de interesses.
O cerceamento de defesa se caracteriza, também, quando a parte vier a sofrer um prejuízo manifesto ou um gravame decorrente da indevida transgressão do seu lídimo direito constitucional à Prova, bastando que determinado meio de prova se mostre pertinente, relevante, admissível e útil para a decisão.
O preceptivo constitucional é revelador do DIREITO À PROVA, como elemento constitutivo do Direito Subjetivo do cidadão, resguardado pela Lei fundamental, como Garantia Individual.
Hodiernamente, quando se fala genericamente em Prova Testemunhal se refere a Testemunhas Compromissadas e Não Compromissadas.
A Prova Oral se faz por inquirição de pessoas em juízo, submetidas sempre ao Princípio do Contraditório, que é a que se produz ou se forma pelo depoimento ou declaração das testemunhas, em sentido genérico. Consiste na exposição fática de fatos conhecidos de viso ou de oitiva, pelas pessoas indicadas pelas partes ou pelo juízo, e que vêm ao processo para atestar a existência ou inexistência de eventos para o julgamento da controvérsia.
São chamadas as pessoas conhecedoras de fatos relevantes para o julgamento da ação.
Testemunhar (do latim testari) significa afirmar, mostrar atestado. Testemunhar, em juízo, é atestar a existência de um fato relevante para o julgamento da lide.
Testemunha – na palavra de João Monteiro – é a pessoa, capaz e estranha ao feito, chamada a juízo para depor o que sabe sobre o fato litigioso.
Deste conceito, Moacyr Amaral Santos extraiu os elementos característicos da testemunha: a) é uma pessoa física; b) é uma pessoa estranha ao feito; c) é uma pessoa que deve saber do fato litigioso; d) a pessoa deve ser chamada a depor em juízo; e) a pessoa deve ser capaz de depor. (Teoria do Processo Civil, 1956, Editor Borsoi, Rio, Tomo II, p. 487. 190 Ob. e vol. cits., p. 396. Da Prova Testemunhal)
O relato feito pela testemunha chama-se depoimento, e nele não pode ela dar opinião sobre questão de direito ou interpretar texto legal. O objeto da prova testemunhal é, pois, o fato da causa.
A pessoa a depor, embora convidada pelas partes, na verdade o é pelo juízo. Se a demonstração dos fatos em juízo é uma Garantia conferida pela Magna Carta ao cidadão, isto também interessa à Jurisdição, já que a pronunciação do Magistrado somente se faz Legítima quando exauridas as argumentações e provas de ambas as partes.
O certo é que a prova oral, para alguns casos, é o único meio de se apurar a verdade.
Embora não haja hierarquia entre os meios de prova, sendo válidos para demonstrar o alegado, todos os meios, o CPC informa, com excepcionalidade, que, QUANDO O FATO JÁ ESTIVER PROVADO POR DOCUMENTO OU POR CONFISSÃO, não se admitirá a prova Oral.
Realmente, se o documento é autêntico e não houve impugnação quanto à sua veracidade, haverá dispensa da prova oral, pois ele é suficiente para fornecer os dados esclarecedores do litígio. Apenas quando houver discussão em torno da autenticidade ou do combate veemente à veracidade do documento, é que a prova oral pode ser admitida como complementar, em caráter subsidiário.
Não há o que se falar em cerceamento defesa, caso se tenha certeza da prescindibilidade da audiência instrutória, estando o Magistrado suficientemente convencido para prolatar sentença, espalhando seu juízo de certeza. Sobretudo, pelo estado de confissão.
Neste sentido o Tribunal de Justiça de Sergipe, sendo Relator do Des. José Alves Neto, já se pronunciou a respeito, em semelhantes casos julgados por este Juízo:
“Insubsistente se faz este argumento, pois, de acordo com o art. 130 do CPC, cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Sendo o juiz o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização (Theotônio Negrão, CPC e Legislação processual em vigor, nota 1 ao art. 130, 27ª edição, 1996). Reza o art. 330, I, do CPC, que O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência. ‘In casu’, o douto magistrado singular ressaltou que estamos diante de uma questão de fato e de direito, mas que não precisa de instrução ou maiores provas, posto que, o que foi angariado nos autos, ou seja, os documentos anexados, permitem ao Juiz decidir a lide.
Nesse sentido:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ANÁLISE DA LEGALIDADE DAS CONTAS PÚBLICAS PELO JUDICIÁRIO – POSSIBILIDADE – LEGITIMIDADE “AD CAUSAM” DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CERCEAMENTO DE DEFESA – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – INOCORRÊNCIA – RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – RECURSO DESPROVIDO. 1. O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública por improbidade administrativa. 2. Não há cerceamento de defesa em julgamento antecipado da lide quando no processo encontram-se presentes todas as provas necessárias ao convencimento do magistrado. 3. (…). 4. Os atos de improbidade administrativa são puníveis com o ressarcimento ao Erário Público, nos termos da Lei nº 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF/88. 5. Recurso Desprovido. (TJMG, AC nº 000.315.618-9/00, Comarca de São João Nepomuceno, Relator: Pedro Henriques, Julg. Em: 28/04/2003).
PROCESSO CIVIL – DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS – INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – Cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento das partes, indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, decisão essa que não viola o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, se a questão de mérito é unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produção de provas, tendo em vista os documentos já carreados para os autos.” (TJMG – Agravo nº 000.166.042- 2/00 – Comarca de Belo Horizonte Relator Des. José Antonino Baía Borges – Pub. 07/04/2000). Desta feita, afasta-se a argüição de cerceamento de defesa. (Apelação nº 7872/2009. De. Rel . José Alves Neto)
Os ensinamentos do doutrinador processualista civil, Misael Montenegro Filho, em curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2009, pág. 204, são:
“Entendemos que o julgamento antecipado da lide é medida que se impõe quando for a hipótese, em atenção aos primados da celeridade, da economia processual e da razoável duração do processo, evitando a prática de atos procrastinatórios, que afastam a parte da prestação jurisdicional desejada. Deferir a prestação jurisdicional não é apenas garantir a prolação da sentença de mérito, mas, em complemento, que esse pronunciamento seja apresentado no momento devido, sem alongamentos descabidos.”
O Magistrado não precisa anunciar o Julgamento Antecipado da Lide pois quem já faz isto de forma clara é a própria Lei Processual, sendo uma das opções possíveis ao final da Fase Postulatória do Processo de Conhecimento. Não haverá surpresa para qualquer das partes. Tampouco se constitui em Cerceamento de Defesa para o Réu somente porque protestou por prova pericial. Segundo o preceito constitucional, ninguém é obrigado a fazer (ou deixar de fazer) senão em virtude da lei”. Isto é aRegra de Clausura ou Fechamento hermético do Direito: “tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido.” É o “DIREITO DE NÃO TER DEVER”.
Assim, resta claro que, sendo o Juiz o destinatário da prova, é ele quem deve aferir a necessidade da audiência, evitando as diligenciais inúteis e protelatórias.
Os fatos imputados pelo MPE consistem na não aplicação do percentual mínimo do percentual de 25% da arrecadação municipal, na manutenção e desenvolvimento da educação no exercício financeiro de 2009. Trouxe como indicativo à prova o Relatório elaborado pelo CAT – Consultoria e Assessoria Técnica LTDA, subscrito pelo Técnico José Valmir dos Passos e, principalmente, pelo Réu que é o Prefeito Municipal, Alexsander Oliveira de Andrade. Avulta evidente a prescindibilidade da prova oral na medida em que existe Relatório Técnico subscrito pelo Réu. Mais ainda quando confessa na contestação que não houve a aplicação do percentual minimo no ano de 2009.
É de se perguntar qual a necessidade de oitiva de testemunha sobre informações técnica subscrita pelo próprio Réu?!. O Relatório lastreador do libelo não foi impugnado sendo, portanto, válido.
Ponto de natureza formal a ser enfrentado é quanto à afirmação da parte Ré da necessidade de realização de Perícia. Ora, o CPC admite a informação técnica idônea carreada na petição inicial pelo Autor, como elucidativa quanto ao emprego de regra técnica especializada ao fato, em substituição à Perícia Judicial, principalmente se não for alvo de ataque circunstanciado pelo Réu. Ora, a própria submissão do Réu, torna desnecessária a realização de perícia, que somente redundaria em postergação do feito. De mais a mais, o Réu nem laconicamente atingiu aquelas informações técnicas, sem precisar qual ou quais pontos vulneráveis.
Torna-se prescindível a prova pericial protestada para aferição do índice aplicado, pois, como afirmado, já consta dos autos a detecção através de avaliação técnica do índice. Deseja o Réu contrapor relatório subscrito por ele mesmo?! Seria no mínimo esdrúxulo e anacrônico.
Estando demonstrada a situação fática, resta saber se houve a prática de atos tidos como de improbidade administrativa.
O Réu confessou o fato de não ter aplicado o percentual mínimo determinado pela lei, mas alegou que cumpriu tardiamente no exercício financeiro de 2010. Alegou a concorrência de responsabilidade entre o Município e o Estado para desenvolvimento da educação; a aplicação da reserva do possível por inexistência de recursos havendo ações mais urgentes e prioritárias; inexistência de dotação orçamentária; limitação da intervenção do judiciário nas politicas públicas, princípio da separação dos poderes; inexistência de ato de improbidade administrativa, ante ausência de elemento subjetivo “dolo”.
Ditas arguições meritórias acobertam questões processuais, mesmo que confundidas com o mérito, devem ser postas em relevo: Formação do Litisconsórcio Necessário Passivo ou Chamamento ao Processo do Estado, como Devedor Solidário; Carência de Ação, ante a Impossibilidade Jurídica do Pedido, ante a injuridicidade da intervenção do Judiciário nos atos do Executivo, ofendendo a Lei Fundamental; ausência de Causa de Pedir, por faltar fundamento jurídico ao pedido (dolo).
É antiga a máxima de origem romana do: dê-me os fatos que te darei o Direito. Isto é a base do Princípio da Substanciação, empregado de forma mitigada no sistema processual vigorante. Concorre também aqui a aplicação do Princípio Jurisdicional do jura novit curia. Diante dos fatos narrados de forma clara e objetiva, o Magistrado, conhecendo previamente o direito, os admite como deflagrador da atividade jurisdicional.
O ato formal que deflagra a jurisdição civil, libelo, deve conter os elementos fáticos e jurídicos que subsidiam a causa de pedir, já o pedido consiste no perceptivo de direito processual – tipo de sentença, e material, através do alcance da pretensão resistida. Da mesma maneira ocorre na esfera criminal, onde crime é fato tipico e antijurídico, ou seja: descrição do fato a ser resistido, e causador de lesão a ordem jurídica.
O CPC, informa:
Art. 295. A petição inicial será indeferida: I – quando for inepta; (…) Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando: I – lhe faltar pedido ou causa de pedir; II – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; III – o pedido for juridicamente impossível; IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.
A causa de pedir ou causa petendi são os fatos que fundamentam a pretensão manifestada pelo demandante. Adotando o Princípio da Substanciação, a causa de pedir remota é um conjunto de fatos, ou seja, é o suporte fático da pretensão manifestada em juízo, que encontra encaixamento na ordem jurídica vigorante – causa de pedir próxima, adquirindo a necessária tipicidade. Observe-se que o fundamento jurídico não se confunde com a roupagem jurídico-legal, muito menos com o dispositivo legal conferida pelo Autor: “Não integra a causae petendi a qualificação jurídica que o confere ao fato em que baseia sua pretensão. Assim, se o autor promove uma ação visando à anulação de uma escritura, alegando erro e não obtêm êxito, não pode, posteriormente, propor a mesma ação com base nos mesmos fatos, sob a invocação de que o que houve foi dolo”1. Não é outro o entendimento, justamente pelo fato de que, a ausência de fundamento jurídico, desnatura a existência do fato constitutivo.
Conceitualmente a ação é um direito público, subjetivo, autônomo e principalmente abstrato, porque deve guarda superficial relação com o direito material invocado pela parte, que só será auferido ao final, julgando procedente ou improcedente o pedido.
No presente caso o MPE, através de roupagem jurídica, imputou ao Réu a prática de atos praticados em dissonância com a lei de improbidade administrativa. Segundo o libelo o Réu não aplicou o percentual determinado em lei no desenvolvimento e manutenção da educação.Há causa de pedir fática e jurídica explícitas e claras, sendo a Demanda Apta Formal, preenchido, assim, o Pressuposto Processual de Validade.
Foi concluída a concorrência de elementos fáticos que respaldaram o pedido exordial, não havendo eiva no libelo, tanto que recepcionado sem reservas, dando respaldo.
Embora o Réu tenha informado a impossibilidade de aplicação do minimo de 25% das receitas municipais na manutenção e desenvolvimento da educação, afirmou a solidariedade entre Estado e Município para proporcionar meios de acesso à educação.
Solidariedade obrigacional não se presume, mas tem que ser prevista, isto é regra geral. Concorrência não quer dizer solidariedade, isto também é regra.
O ato tido como de improbidade diz respeito a ausência de aplicação mínima de recursos e não guarda o menor liame fático com a solidariedade alegada. É da sabença de todos que a União, Estado e Municípios são solidários na manutenção e desenvolvimento da educação, ocorre, que a própria lei, visando estabelecer critérios na aplicação de recursos, impõem percentual minimo para favorecimento da educação pelos gestores, municipal, estadual e federal.
A Constituição Federal do Brasil de 1988 disciplina:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estado, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
Ainda preceitua:
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Grifei.
Conforme a disposição constitucional, tanto o Estado quanto o Município, têm a obrigatoriedade de aplicar 25% de suas receitas no desenvolvimento e manutenção da educação. O sistema educacional é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo concorrente a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos prestados à população.
O Réu traz a ideia de que o estágio de precariedade das escolas municipais é de responsabilidade também do Estado. Como dito, embora ambos tenham a responsabilidade sobre a administração da educação, o ato tido como de improbidade diz respeito à aplicação minima de recursos arrecadados pelo Município. Ora, qual a responsabilidade do Estado de Sergipe, pelo fato de que o Réu, ora chefe do executivo, não aplicou o percentual minimo da receita como determina a Constituição?!.
O MPE, destinado a provar as irregularidades, trouxe vasta documentação, inclusive Relatório subscrito pelo Réu, que, por sua vez, não negou os fatos, muito pelo contrário, confessou-os, porém atribuiu-lhes natureza diversa, tais como, cumprimento tardiamente, ausência de dolo e má-fé, além da interferência do judiciário, ofensa ao princípio separação de poderes e atuação indevida na formulação do orçamento.
De acordo com às fls. 13, consta Relatório subscrito pelo réu informando que o índice aplicado na manutenção e desenvolvimento da educação foi de 19%, portanto, inferior a minimo estabelecido de 25%.
A alegação de que cumpriu tardiamente, exercício financeiro de 2010, não tem o condão de desnaturar a conduta do Réu. O ano de 2010 foi outro; outra obrigação, que não tem o condão de suprir a desídia acontecida em 2009. O dispositivo constitucional é bem claro ao estabelecer que deve ser aplicado 25% da receita. Se o orçamento é elaborado anualmente, assim, também deve ser a aplicação dos recurso. É muito cômoda a alegação a de que teria cumprido a posteriori, apenas porque teria ultrapassado o percentual minimo no exercício financeiro seguinte. O fato é que não cumpriu com a determinação, e pronto.
Quando deixou de cumprir obrigação do seu ofício o Sr. Prefeito provocou lesão na educação municipal. Aquela verba orçamentária foi absurdamente suprimida, ou teve outra destinação. Não se cuida de inabilidade técnica; não se cuida de desconhecimento da lei. Há evidente DOLO. Ademais, já foi dito inúmeras vezes, que o ato ímprobo não exige o dolo direto, porque pode simplesmente atentar contra os princípios da administração pública. É patente o estado de confissão do Réu. Ademais, não há nada nos autos que leve este juízo a concluir de forma diversa.
A norma contida na Constituição não é de conteúdo meramente programático, mas é cogente, de cumprimento obrigatório, inarredável.
Está plenamente evidenciado, seja pelos documentos apresentados, seja pela confissão, que o Réu praticou o ato imputado e relatado pelo MPE.
Quanto à alegação formal de inexistência de ato improbo, já foi dito aqui inúmeras vezes que os Princípios alicerçadores da ciência jurídica, base de toda a construção do Direito, já foram tidos como meros instrumentos de interpretação e integração das regras legais. Era a estreiteza da visão positivista que atribuía ao direito posto caráter preponderante em nossa ciência.
Hoje, contudo, vivemos um período pós-positivista, sendo certo que os Princípios deixaram de ser vistos como mero complemento da regras e passaram a ser também considerados normas cogentes (fazendo-se mister a distinção entre normas princípios e normas disposições), impondo-se, sem dúvida, sua estrita observância. Ouso dizer que a tão difundida Norma Hipotética Fundamental de Kelsen, não é a Constituição, mas sim aquilo que deve ser tido como Ordenamento Constitucional que é composto pelos Princípios. “Os princípios, a exemplo das regras, carregam consigo acentuado grau de imperatividade, exigindo a necessária conformação de qualquer conduta aos seus ditames, o que denota o seu caráter normativo (dever ser). Sendo cogente a observância dos princípios, qualquer ato que deles destoe será inválido, conseqüência esta que representa a sanção pra inobservância de um padrão normativo cuja relevância é obrigatória.” (Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 2ª ed. 2004, Lumem Juris, p.43).
Muitos são os interesses públicos hábeis a legitimar a atuação administrativa que se pode extrair da Constituição, observando-se da lição de Leonardo José Carneiro da Cunha que “o interesse público identifica-se com a idéia de bem comum e reveste-se de aspectos axiológicos, na medida em que se preocupa com a dignidade do ser humano”.
Não se pode, entretanto, opor completamente a ideia do bem individual à do bem comum sob pena de se comprometer a finalidade deste, conforme destaca Miguel Reale: “Se, como diz Scheler, o bem consiste em servir a um valor positivo sem prejuízo de um valor mais alto, o bem social ideal consistirá em servir ao todo coletivo respeitandose a personalidade de cada um, visto como evidentemente ao todo não se serviria com perfeição se qualquer de seus componentes não fosse servido”
O conceito de interesse público encontra guarida nos valores máximos da Constituição. Por tal motivo, não se opõe ao Estado. Porém com ele não se confunde. O fato é que o Estado se constitui num vetor do interesse público, cujo compromisso maior é voltado à sua realização, enquanto mecanismo necessário para tal. Um verdadeiro interesse público exige a presença de um bem social indisponível transcendental, isto é, acima dos interesses individualizados das partes. Por outro lado, o interesse público não se confunde com interesses meramente privados.
É importante reconhecer, no dizer de Marçal Justen Filho, que o interesse público alcança dimensão essencialmente “ética”, adequada ao pluralismo da sociedade contemporânea, e, simultânea subordinação das ações administrativas à satisfação da dignidade da pessoa humana. Sobressaindo-se dessa análise, a “personalização” do fenômeno jurídico em detrimento da sua “patrimonialização”, no sentido de impor o fiel respeito aos direitos fundamentais.
Nessa linha de raciocínio, cumpre ressaltar que a Constituição Federal, em seu Art. 37, caput, arrola como princípios explícitos que devem ser observados por todos os Poderes da Administração da União, dos Estados e dos Municípios, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.
Entre esses, por ser pertinente in casu, cabe tecer considerações sobre o postulado da legalidade, da impessoalidade e da moralidade.
Pelo Princípio da Legalidadea Administração deve observar estritamente as leis, não podendo agir senão quando e conforme permitido pela ordem jurídica.
Celso Antonio Bandeira de Melo afirma que:“Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro. Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que, além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem. (Curso de Direito Administrativo Brasileiro, 17ª ed. Malheiros, 2004, p.92).
Por sua vez, o Princípio da Impessoalidade, conforme lecionam à unanimidade as obras de Direito Administrativo, deve ser entendido sob duas perspectivas: num primeiro sentido, a impessoalidade significa que o autor dos atos estatais é o Órgão ou Entidade e não a pessoa do agente (por isso, v.g., é vedada a publicidade da Administração que apresente imagens, nomes e símbolos que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou de servidores públicos). Na segunda acepção a impessoalidade exige que o administrador realize os atos de seu mister de acordo com a finalidade pública, e nunca agindo para beneficiar ou afetar determinadas pessoas, pela simples razão de serem essas mesmas pessoas amigas ou desafetas do administrador.
Estes são os lapidares ensinamentos da doutrina especializada:
“Sob outra ótica, torna cogente que a administração dispense igualdade de tratamento a todos aqueles que se encontram em posição similar, o que pressupõe que os atos praticados gerem os mesmos efeitos e atinjam a todos os administrados que estejam em idêntica situação fática ou jurídica, caracterizando a imparcialidade do agente público. (…) Com isto preserva-se o princípio da isonomia entre os administrados e o princípio da finalidade, segundo o qual a atividade estatal deve ter sempre por objetivo a satisfação do interesse público, sendo vedada a atividade discriminatória que busque unicamente a implementação de um interesse particular.” (Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 2ª ed. 2004, Lumem Juris, p.55-56).
E mais:
“…o princípio (da impessoalidade) estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento…” (Sérgio Monteiro Medeiros, Lei de Improbidade Administrativa, 2003, Ed. Juarez de Oliveira, p.100).
Evidente que não deve haver a utilização dos poderes do cargo, com o fito de atingir interesses pessoais ou beneficiar particulares. Frustar o procedimento licitatório como forma de imprimir ganho de particular, escolhendo e conferindo a associados políticos o privilégio de aferição econômica, afronta o Princípio da Igualdade.
O último Princípio é o da Moralidade, exigida para a validade de qualquer ato da Administração. Na corrente lição de Hauriou, “a moral administrativa não equivale à moral comum, mas deve ser entendida como uma moral jurídica, equivalendo a um conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração. Elucidando o tema, o referido autor ensina que o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. Não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta, pelo que não basta distinguir entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, mas também entre o honesto e o desonesto…”
Neste passo, os atos ímprobos devem ser rechaçados, porque ofendem aos Princípios.
A Lei de Improbidade Administrativa prevê três modalidades de atos ímprobos: a) atos que importem em enriquecimento ilícito (artigo 9º); b) atos que causem prejuízo ao erário (artigo 10); c) atos que atentem contra princípios da administração (artigo 11).
Segundo o art. 9º, a conduta de improbidade gera enriquecimento ilícito quando o autor aufere “qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º”, da lei. Exige-se, nessa hipótese, a percepção de vantagem patrimonial ilícita obtida pelo exercício da função pública em geral, sendo desnecessário o dano ao erário.
Reza o art. 10 que “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbarateamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º” da mesma lei. Nesse caso, somente se caracterizará o ato de improbidade se houver dano ao erário. Dispensa-se, portanto, a ocorrência do enriquecimento ilícito.
Diz o art. 11 da Lei 8.429/92 que “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”. Nessa hipótese, exige-se somente a vulneração dos Princípios Administrativos, sendo dispensável o enriquecimento ilícito e o dano ao erário, ou seja, basta do agente a conduta violadora dos Princípios.”
Wallace Paiva Martins Júnior, Ilustre Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, comentando o dispositivo afirma que:
“O art. 11 é a grande novidade do sistema repressivo da improbidade administrativa, dirigido contra o comportamento omissivo ou comissivo violador dos princípios que regem a Administração Pública e dos deveres impostos aos agentes públicos em geral…”
E anota ainda que:
“A violação de princípio é o mais grave atentado cometido contra a Administração Pública, porque é a completa subversiva maneira frontal de ofender as bases orgânicas do complexo administrativo.” (Probidade Administrativa, 2ª ed., 2.002, Saraiva, p. 259/260) .
Além do caput do artigo 11 da Lei de combate à Improbidade Administrativa, que prevê de forma aberta a ilicitude de qualquer ato que atente contra os princípios da Administração, a referida Lei Federal, nos incisos dessa disposição legal, arrola as hipóteses mais comuns em que há essa violação.
Dentre essas hipóteses, reza o inciso I do artigo 11 daquele diploma, que configura improbidade administrativa:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência; (grifo colocado)
O supra transcrito texto legalabarca o chamado desvio de finalidade, no qual o agente público afasta-se da necessidade de observância da finalidade pública, indispensável na prática de todo ato administrativo, e busca realizá-lo para satisfazer interesse particular.
Na clássica doutrina de Hely Lopes Meirelles:
“O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal. Tais desvios ocorrem, p. ex., quando a autoridade pública decreta uma desapropriação alegando utilidade pública, mas visando, na realidade, a satisfazer interesse pessoal próprio ou favorecer algum particular com a subseqüente transferência do bem expropriado… (…) O ato praticado com desvio de finalidade – como todo ato ilícito ou imoral – ou é consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e do interesse público. Diante disto, há que ser surpreendido e identificado por indícios e circunstâncias que revelem a distorção do fim legal, substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador. A propósito, já decidiu o STF que “Indícios vários e concordantes são prova.” (Direito Administrativo Brasileiro, 24ª ed., 1999, Malheiros, p.97)
Pela propriedade das palavras, impende a transcrição de mais um ensinamento doutrinário:
“A ilegalidade que aqui se apresenta é aquela que mira subverter o ato administrativo, distorcendo-o do gerenciamento de interesses públicos. Não é apenas o corriqueiro “a lei diz isto, o prefeito fez aquilo”, mas a utilização indevida do poder jurídico-político, da lei como seu instrumento eficiente, para desviar a atuação administrativa de sua rota predeterminada. É a substituição do social pelo pessoal, do público pelo privado, do coletivo pelo individual. É a não-administração.” (Waldo Fazzio Júnior, Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeitos, 3º ed. 2.003, Atlas, p.187)
Estão, portanto, completamente evidenciadas e comprovadas as informações trazidas pelo Ministério Público Estadual.
Apesar de ter reconhecido os fatos, o Réu argumenta que não pode haver a interferência do Judiciário sobre as políticas públicas e orçamento, além de insuficiência de recursos.
Ante a falta de compromisso político e social dos titulares do Poder Executivo, fez-se necessário alterar o sistema de controle judicial dos atos administrativos, deixando de ser a posteriori e tornando-se apriorístico, dada a premência dos sucessivos casos de afronta à ordem pública, bem como permitindo a revisão imediata dos atos discricionários.
A omissão do gestor na aplicação mínima de recursos importa em flagrante violação a Constituição Federal (Art. 212), e a direito fundamental à educação e ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. A educação como um bem extraordinariamente relevante ao ser humano, é tutelado pela Constituição Federal.
Querer o Executivo apontar de ILEGAL o procedimento judicial ante a cômoda alegação de que tal ou qual ato não pode ser revisto judicialmente, para fugir, como sempre, de sua responsabilidade constitucional é, no mínimo, hilário. Um Município que não constrói – ou pelo menos esboça “uma sociedade livre justa e solidária” (Art. 3º, I, da Constituição Federal); não erradica “a pobreza e a marginalização” (Art. 3º, III, da Constituição Federal); não promove a “dignidade da pessoa humana” (Art. 1º da Constituição Federal); não assegurando “a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social” (Art. 170 da Constituição Federal); não empresta à propriedade sua “função social” (Art. 5º, XXIII, e 170, III, da Constituição Federal); não dando à família, base da sociedade “especial proteção” (Art. 226 da Constituição Federal), e não colocando a criança e o adolescente “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, maldade e opressão” (Art. 227 da Constituição Federal), enquanto não fizer tudo isto, elevando os marginalizados à condição de cidadãos comuns, pessoas normais, aptas a exercerem sua Cidadania, o Município não pode falar em Legalidade de procedimento próprio, nem exigir estrito cumprimento de lei.
As reiteradas omissões executivas nas aplicações das políticas públicas introduzem uma nova caracterização para os conflitos sociais, à medida que transfere para o Judiciário a incumbência de resolver os problemas inerentes ao poder constituído pela soberania popular. O judiciário não está verdadeiramente a administrar, mas sim a suprir as deficiências dos gestores.
Nesta esteira, a sociedade busca no Judiciário visando a satisfação de direitos e a aplicação das políticas instituídas por leis que não são aplicadas, ou pela falta de recursos, ou até mesmo pela inércia do Administrador Público, como no caso em tela. Em decorrência desta realidade, a real função dos juízes acaba se alterando, ao passo que se tornam responsáveis pelas políticas de outros poderes, passando a orientar suas atuações de forma a assegurar a integridade da Constituição e dos direitos, tanto individuais, como difusos dos cidadãos. Assim, para produzir a justiça esperada em uma situação específica, o juiz deve ter sensibilidade para julgar cada caso, encontrando a norma e adequando-a aos princípios constitucionais.
Considerando o disposto no art. 5º XXXV “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito”, percebe-se que o Judiciário tem competência legal para obrigar o Poder Executivo a implementar políticas públicas sempre que este for omisso no campo dos chamados“direitos sociais” sobretudo, quando previsto em lei. Nesse sentido, a discricionariedade do Executivo, a quem cabe a responsabilidade de zelar pela saúde de todos não é absoluta, uma vez que o acesso aos direitos sociais não é decisão de conveniência ou oportunidade, mas sim determinação constitucional-legal, gerando o dever de agir por parte do Administrador Público.
É preciso esclarecer que o Gestor Público não está administrando sua vida privada, onde pode praticar atos aleatoriamente, como se a prestação do serviço ao público fosse fruto de generosidade.
É extremamente lamentável que procedimentos administrativos dessa natureza ainda coadunem com a realidade da Administração Pública brasileira. Carecer, para a prestação de um serviço essencial com dignidade, da intervenção do Poder Judiciário é algo inimaginável! Esse mesmo Administrador não está apenas postergando o descompromisso político e social, mas é verdadeira falta de compromisso HUMANO – Solidariedade, Caridade, etc…
O Poder Judiciário, no exercício de sua alta e importante missão constitucional, deve e pode impor ao Poder Executivo, de qualquer esfera, o cumprimento da disposição que garante o direito à educação, sob pena de compactuar com a piora de sua qualidade em de toda sociedade.
A judicialização de política pública, aqui compreendida como implementada pelo Poder Judiciário, é exigência da soberania popular, pelo exercício da cidadania, além de harmonizar-se integralmente com a Constituição de 1988. O problema é que o Poder Executivo está permeado de ADMINISTRADORES HUMANOS, DEMASIADAMENTE DESUMANOS.
A concretização do texto constitucional não é dever apenas do Poder Executivo e Legislativo, mas também do Judiciário. É certo que, em regra a implementação de política pública, é da alçada do Executivo e do Legislativo, todavia, na hipótese concreta de injustificada omissão, o Judiciário deve e pode agir para forçar os outros poderes a cumprirem o dever constitucional que lhes é imposto. A mera alegação de falta de recursos financeiros, destituída de qualquer comprovação objetiva, não é hábil a afastar o dever constitucional imposto ao Gestor Municipal de aplicar a quantidade minima de recurso auferido.
O Judiciário não só pode, como deve proferir decisões que, embora interfiram no mérito administrativo, tenham por fundamento obrigar o administrador a cumprir os Princípios da Administração Pública e principalmente da Constituição.
Ainda que o Ato do Gestor fosse considerado como Discricionário, inadmissível nos dias atuais, haveria reproche de toda a doutrina e jurisprudência.
O grande mestre Celso de Melo assim comenta:
“Nada há de surpreendente, então, em que o controle jurisdicional dos atos administrativos, ainda que praticados em nome de alguma discrição, se estenda necessária e insuperavelmente à investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Nenhum empeço existe a tal proceder, pois é meio – e, de resto, fundamental – pelo qual se pode garantir o atendimento da lei, a afirmação do direito.”
Coaduna DI PIETRO:
“não há invasão do mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração do ato; a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade, suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário”
Neste sentido foi brilhante o Voto da Ministra Eliana Calmom:
“Ao longo de vários anos, a jurisprudência havia firmado o entendimento de que os atos discricionários eram insusceptíveis de apreciação e controle pelo Poder Judiciário. Tratava-se de aceitar a intangibilidade do mérito do ato administrativo, em que se afirmava, pelo fato de ser a discricionariedade competência tipicamente administrativa, que o controle jurisdicional implicaria ofensa ao princípio da Separação dos Poderes. Não obstante, a necessidade de motivação e controle de todos os atos administrativos, de forma indiscriminada, principalmente, os em que a Administração dispõe da faculdade de avaliação de critérios de conveniência e oportunidade para praticá-los, isto é, os atos classificados como discricionários, é matéria que se encontra, atualmente, pacificada pela imensa maioria da doutrina e, fortuitamente, aos poucos acolhida na jurisprudência de maior vanguarda.O controle dos atos administrativos, mormente os discricionários, onde a Administração dispõe de certa margem de liberdade para praticá-los, é obrigação cujo cumprimento não pode se abster o Judiciário, sob a alegação de respeito ao princípio da Separação dos Poderes, sob pena de denegação da prestação jurisdicional devida ao jurisdicionado. Como cediço, a separação das funções estatais, prevista, inicialmente, por Rousseau e aprimorada por Montesquieu, desde que se concebeu o sistema de freios e contrapesos, no Estado Democrático de Direito, tem se entendido como uma operação dinâmica e concertada. Explico: As funções estatais, Executivo, Legislativo e Judiciário não podem ser concebidas de forma estanque. São independentes, sim, mas, até o limite em que a Constituição Federal impõe o controle de uma sobre as outras, de modo que o poder estatal, que, de fato, é uno, funcione em permanente auto-controle, fiscalização e equilíbrio. Assim, quando o Judiciário exerce o controle “a posteriori” de determinado ato administrativo não se pode olvidar que é o Estado controlando o próprio Estado. Não se pode, ao menos, alegar que a competência jurisdicional de controle dos atos administrativos incide, tão somente, sobre a legalidade, ou melhor, sobre a conformidade destes com a lei, pois, como se sabe, discricionariedade não é liberdade plena, mas, sim, liberdade de ação para a Administração Pública, dentro dos limites previstos em lei, pelo legislador. E é a própria lei que impõe ao administrador público o dever de motivação.” (art. 13, § 2º, da Constituição do Estado de Minas Gerais, e art. 2º, VII, Lei nº 9.784/99) STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 429570 / GO ; Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004 p. 277 RSTJ vol. 187 p. 219.
E mais:
“A doutrina moderna tem convergido no entendimento de que é necessária e salutar a ampliação da área de atuação do Judiciário, tanto para coibir arbitrariedades em regra praticadas sob o escudo da assim chamada discricionariedade quanto para se conferir plena aplicação ao preceito constitucional segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, xxxv, CB/88).O sistema que o direito é compreende princípios e regras. A vigente Constituição do Brasil consagrou, em seu art. 37, princípios que conformam a interpretação/aplicação das regras do sistema e, no campo das práticas encetadas pela Administração, garantem venha a ser efetivamente exercido pelo Poder Judiciário o seu controle. De mais a mais, como tenho observado (Meu “O direito posto e o direito pressuposto”, 5a edição, Malheiros Editores, São Paulo, págs. 191 e ss.), a discricionariedade, bem ao contrário do que sustenta a doutrina mais antiga, não é conseqüência da utilização, nos textos normativos, de “conceitos indeterminados”. Só há efetivamente discricionariedade quando expressamente atribuída pela norma jurídica válida à autoridade administrativa, essa é a margem de decisão à margem da lei. Em outros termos: a autoridade administrativa está autorizada a atuar discricionariamente apenas, única e exclusivamente, quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Insisto em que a discricionariedade resulta de expressa atribuição normativa à autoridade administrativa, e não da circunstância de serem ambíguos, equívocos ou suscetíveis de receberem especificações diversas os vocábulos usados nos textos normativos, dos quais resultam, por obra da interpretação, as normas jurídicas. Comete erro quem confunde discricionariedade e interpretação do direito. A Administração, ao praticar atos discricionários, formula juízos de oportunidade, escolhe entre indiferentes jurídicos. Aí há decisão à margem da lei, porque à lei é indiferente a escolha que o agente da Administração vier então a fazer. Indiferentes à lei, estranhas à legalidade, não há porque o Poder Judiciário controlar essas decisões. Ao contrário, sempre que a Administração formule juízos de legalidade, interpreta/aplica o direito e, pois, seus atos hão de ser objeto de controle judicial. Esse controle, por óbvio, há de ser empreendido à luz dos princípios, em especial, embora não exclusivamente, os afirmados pelo artigo 37 da Constituição. Daí porque esta Corte tem assiduamente recolocado nos trilhos a Administração, para que exerça o poder disciplinar de modo adequado aos preceitos constitucionais. Os poderes de Comissão Disciplinar cessam quando o ato administrativo hostilizado se distancia do quanto dispõe o art. 37 da Constituição do Brasil. Nesse sentido, excerto da ementa constante do MS 20.999/DF, Celso de Melo, DJ de 25/5/90: “O mandado de segurança desempenha, nesse contexto, uma função instrumental do maior relevo. A impugnação judicial de ato disciplinar legitima-se em face de três situações possíveis, decorrentes (1) da incompetência da autoridade, (2) da inobservância das formalidades essenciais e (3) da ilegalidade da sanção disciplinar. A pertinência jurídica do mandado de segurança, em tais hipóteses, justifica a admissibilidade do controle jurisdicional sobre a legalidade dos atos punitivos emanados da Administração Pública no concreto exercício do seu poder disciplinar.”É, sim, devida, além de possível, a revisão dos motivos do ato administrativo pelo Poder Judiciário, especialmente nos casos concernentes a demissão de servidor público. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de “conceitos indeterminados” estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. “Indeterminado” o termo do conceito e mesmo e especialmente porque ele é contingente, variando no tempo e no espaço, eis que em verdade não é conceito, mas noção a sua interpretação [interpretação = aplicação] reclama a escolha de uma, entre várias interpretações possíveis, em cada caso, de modo que essa escolha seja apresentada como adequada. Como a atividade da Administração é infralegal administrar é aplicar a lei de ofício, dizia Seabra Fagundes, a autoridade administrativa está vinculada pelo dever de motivar os seus atos. Assim, a análise e ponderação da motivação do ato administrativo informam o controle, pelo Poder Judiciário, da sua correção. O Poder Judiciário verifica, então, se o ato é correto. Não, note-se bem – e desejo deixar isso bem vincado -, qual o ato correto. E isso porque, repito-o, sempre, em cada caso, na interpretação, sobretudo de textos normativos que veiculem “conceitos indeterminados” [vale dizer, noções], inexiste uma interpretação verdadeira [única correta]; a única interpretação correta que haveria, então, de ser exata é objetivamente incognoscível (é, in concreto, incognoscível). Ademais, é óbvio, o Poder Judiciário não pode substituir-se à Administração, enquanto personificada no Poder Executivo. Logo, o Poder Judiciário verifica se o ato é correto; apenas isso. Nesse sentido, o Poder Judiciário vai à análise do mérito do ato administrativo, inclusive fazendo atuar as pautas da proporcionalidade e da razoabilidade, que não são princípios, mas sim critérios de aplicação do direito, ponderados no momento das normas de decisão. Não voltarei ao tema, até para não maçar demasiadamente esta Corte. O fato porém é que, nesse exame do mérito do ato, entre outros parâmetros de análise de que para tanto se vale, o Judiciário não apenas examina a proporção que marca a relação entre meios e fins do ato, mas também aquela que se manifesta na relação entre o ato e seus motivos, tal e qual declarados na motivação. O motivo, um dos elementos do ato administrativo, contém os pressupostos de fato e de direito que fundamentam sua prática pela Administração. No caso do ato disciplinar punitivo, a conduta reprovável do servidor é o pressuposto de fato, ao passo que a lei que definiu o comportamento como infração funcional configura o pressuposto de direito. Qualquer ato administrativo deve estar necessariamente assentado em motivos capazes de justificar a sua emanação, de modo que a sua falta ou falsidade conduzem à nulidade do ato. Esse exame evidentemente não afronta o princípio da harmonia e interdependência dos poderes entre si [CB, art. 2°]. Juízos de oportunidade não são sindicáveis pelo Poder Judiciário; mas juízos de legalidade, sim. A conveniência e oportunidade da Administração não podem ser substituídas pela conveniência e oportunidade do juiz. Mas é certo que o controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. Daí porque o controle jurisdicional pode incidir sobre os motivos determinantes do ato administrativo.” STF, Primeira Turma, RMS 24699 / DF, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 01-07-2005 PP-00056, EMENT VOL-02198-02 PP-00222 RDDP n. 31, 2005, p. 237-238 LEXSTF v. 27, n. 322, 2005, p. 167-183
A atuação jurisdicional está mais que respaldada, mesmo que se estivéssemos diante de um Ato Discricionário.
Ademais, estamos tratando de um Ato Administrativo Vinculado, pois é a Constituição Federal, no Art. 212, que determina a aplicação de percentual minimo.
O Administrador moderno tem que atinar para o fato de que, mesmo aquelas antigas disposições constitucionais que eram tidas como de mero conteúdo programático, que exigiam apenas a prática de atos discricionários, são verdadeiras normas cogentes, pois assim quis o legislador constituinte, de cumprimento obrigatório.
A previsão constitucional de que o cidadão tem direito à educação, à saúde, etc…, não traça mera programação a ser cumprida pelo Administrador Público ao seu talante, mas é norma de ordem pública. Não é favor que realiza para a população, é obrigação constitucional indeclinável.
O novel Estado Social tem que se voltar prioritariamente para a implementação de políticas públicas que beneficiem o cidadão. O Estado não se basta; ele só existe para servir o cidadão…
O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia. A situação pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Esse non facere ou non praestare, pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
A omissão do Estado, quando deixa de cumprir a imposição ditada pelo texto constitucional, qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.
Consoante já proclamou a Suprema Corte, o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Foi vontade do Poder Constituinte Originário, estabelecer percentual mínimo de aplicação de recursos, independente das necessidade da população. É uma afronta a inteligência mediana, dizer que há insuficiência de recursos, quando o ato imputado é justamente de não aplicar parte do que arrecadou. Não existe discricionariedade alguma ao administrador quanto aos 25% destinados a educação. Trata-se de norma cogente, só lhe resta aplicar e “administrar” os 75% restantes.
A meta central das Constituições de 1988 é a promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir.
Não há que se falar em onerosidade de orçamento, pois a aplicação do recurso é feita na medida da arrecadação de cada ente federado, ou seja, 25% da receita. É completamente inócua e descabida a alegação de que o Município não dispõe de recursos a serem aplicados. Pois só é obrigado a aplicar o percentual daquilo que arrecada, ou seja, 25 % da sua arrecadação, nada mais.
O administrador, quando for aplicar recursos, já deve ter conhecimento de que 25% da receita é vinculada e não está sujeita a oportunidade e conveniência.
Neste sentido os Tribunais tem decido que não resta ao gestor, senão aplicar o percentual determinado em Lei:
RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EX PREFEITO – NÃO APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO PREVISTO NO ART. 212 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NA ÁREA DA EDUCAÇÃO – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA HONESTIDADE, LEGALIDADE E LEALDADE ÀS INSTITUIÇÕES – ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – CARACTERIZADO – ART. 11 DA LEI N. 8.429/92 – RECURSO IMPROVIDO. Apelação nº 72959/2008. TJ/MG. Rel. Des. José Ferreira Leite. Julgamento 03/06/2009
A polêmica em torno do papel do Judiciário na efetivação das políticas públicas exige do juiz novas funções. Não basta decidir, o juiz tem que gerir o processo e fiscalizar o cumprimento de suas decisões, podendo se servir de técnicos para isso.
Para a Professora Ada Pelegrini Grinover, o Poder Judiciário deve agir no sentido de implementar ou modificar uma política pública dentro dos limites da razoabilidade, da reserva do possível e oferecer o mínimo existencial, posição jurisprudencial firmada pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. Disse Ada que o Judiciário deve atuar no sentido de mandar incluir no orçamento previsão para determinada política pública com o controle necessário.
Caso o Legislativo não faça lei nesse sentido, ou o Executivo não dê efetividade à política pública, há uma série de sanções previstas em lei, sobretudo ao Executivo, como a aplicação de multas. Também há possibilidade de responsabilização por ato de improbidade administrativa e possível intervenção por descumprimento judicial.
Vivemos em um momento em que se avolumam decisões, sobretudo por ações civis para implementar políticas públicas sérias. Ada também afirmou que considera cedo estabelecer leis para dizer quais os limites da intervenção do Judiciário nas políticas e como operacionalizar soluções para esse tipo de problema. Criar leis nesse sentido, pode engessar ideias que ainda estão amadurecendo. Ela entende que os critérios devem continuar a ser definidos pelo Judiciário. Os tribunais estão no caminho certo.
A renomada Professora considera que, para a intervenção do Judiciário em política pública, ou para uma resposta imediata ao jurisdicionado sem que haja uma lei ou ato naquele sentido, é indispensável que se trate do mínimo existencial. Ela disse que a maioria das ações civis públicas decorre da inércia da administração, descomprometidas com políticas públicas que visem o benefício da população.
A análise feita pelo Judiciário se dá sobre o caso concreto, ou seja, aquilo que lhe chega ao conhecimento, até mesmo porque decorrente do princípio da inércia da jurisdição é vedado ao judiciário conhecer de oficio as demandas sociais. A decisão judicial para o caso não acarretará a morte da saúde, pois só se mata o que está vivo. Foi justamente a falência da politica pública de saúde eficaz, que fez o autor socorrer-se do judiciário. A ineficiência do tratamento a saúde é notória, veiculada exaustivamente todos os dias nas mídias.
O princípio da isonomia decorre justamente da ideia de que não se pode tratar os desiguais igualmente, é necessário alavancar os marginalizados e fazê-los participar ativamente da sociedade. Outrossim, por foça da constituição o estado lato sensu é obrigado a fornecer educação a seus cidadãos sejam ricos ou pobres. A única diferença entre estes e aqueles é de que não precisam esperar pela complacência da administração e por terem dinheiro podem custear, mas isto não quer dizer que o seu direto a saúde ou a vida sejam inferiores.
Outro ponto que deve ser esclarecido é que a despeito da informação de que o Judiciário estaria intervindo diretamente na elaboração do orçamento, não há minimamente tal ingerência. Os limites objetivos da coisa julgada dizem respeito tão somente a sentença condenatória por descumprimento da lei, não há e nem haverá, ao menos não é objeto de pedido nesta ação, a obrigação do município em aplicar qualquer que seja o valor no desenvolvimento e manutenção da educação. Repito, isto quem determina é a Lei, e a priori, é ônus que cabe tão somente ao gestor, contudo, sujeito a sanção em caso de descumprimento.
Significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – dependem, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
A cláusula da “reserva do possível”, ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível, não pode ser invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS (“A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245-246, 2002, Renovar):
“Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.” (grifei)
Os condicionamentos impostos pela cláusula da “reserva do possível” ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, na razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, na existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.
Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional.
No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.
A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes.
Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social.
A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. Está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais.
De mais a mais, não há prejuízo as finanças do Município, por necessidades infinitas e recursos finitos. Pois, o cumprimento da aplicação do recurso corresponde a percentual de receita. Sendo propositalmente exagerado, exemplifico que acaso o município nada arrecade, nada estará obrigado a aplicar.
Neste sentido o primeiro aspecto a ser levado em consideração quanto à aplicabilidade é o da escala de gravidade, isso porque as sanções do art. 9º são mais severas que as do art. 10, e este, por sua vez, fixa sanções mais severas do que as do art. 11.
Pode ocorrer, que uma só conduta ofenda simultaneamente os arts. 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade. Trata-se de ofensas simultâneas, nesse caso, o aplicador da lei deve se valer do Princípio da Subsunção, em que a conduta e a sanção mais grave absorvem as de menor gravidade. As sanções só deverão ser acumuladas se houver compatibilidade para tanto.
Tratando-se das sanções previstas para violação dos arts. 9, 10 e 11 temos que:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Assim, em face da expressa e clara disposição de lei, constatada a improbidade administrativa por flagrante violação de princípios que regem a Administração Pública, é de rigor a imposição das citadas sanções ao réu, resguardando-se legalidade, impessoalidade e moralidade administrativas e os interesses de toda sociedade.
Assim, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e reconheço que o Réu Alexsander Oliveira de Andrade praticou ato de improbidade administrativa, definidos como tal no art. 11, caput, e inciso II da Lei 8.429/92. Condeno-o, nas sanções previstas no art. 12, inciso III da referida lei a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos por 05(cinco) anos, multa civil de 100 vezes a remuneração recebida e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03(três) anos.
Condeno, ainda, o Réu no pagamento das custas processuais e honorários de 10% .
P.R.I. 1 FUX Luiz, Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 158. |
Manoel Costa Neto |
Juiz(a) de Direito |
Por Redação SE Notícias