Diana Almeida Centurión*
Capacitação técnica, governança e sanções efetivas são essenciais para transformar exigências legais em resultados concretos
Antes de falar sobre leis, normas ou exigências legais, é preciso entender o ponto central de toda boa contratação pública: a gestão de contratos.
Afinal, o que é gestão de contratos?
Muito além de prazos e assinaturas, gestão de contratos é o coração da administração pública eficiente. Trata-se de garantir que tudo o que foi contratado — seja uma obra, um serviço de limpeza ou o fornecimento de medicamentos — seja entregue com qualidade, no tempo certo e conforme o que foi acordado. É um trabalho técnico, estratégico e contínuo, que conecta planejamento, fiscalização, controle e resultados. Quando bem feita, transforma burocracia em benefícios concretos para a população. É ela que evita desperdícios, antecipa problemas e assegura que os recursos públicos gerem impacto real.

Diana Almeida Centurión – especialista em Licitações e Contratos Administrativos. Escreve sobre capacitação técnica, governança e sanções efetivas como caminhos para transformar exigências legais em resultados concretos – Foto: Heitor Xavier/arquivo
E é justamente aí que começa o maior desafio trazido pela nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Com a entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, os municípios brasileiros foram chamados a rever profundamente suas práticas de contratação pública.
Em Sergipe, onde a maioria dos 75 municípios possui estrutura técnica limitada, os desafios são ainda mais evidentes: sem gestão de contratos eficiente, não há boa execução — e sem execução qualificada, o serviço público não chega onde mais importa: à população.
A nova lei trouxe inovações importantes: fortaleceu o planejamento, exigiu gestão de riscos e tornou a execução contratual tão importante quanto a licitação em si. Um dos maiores gargalos enfrentados pelas administrações municipais é justamente esse: a falta de estrutura e conhecimento técnico para gerir contratos com efetividade.
“Planejar, contratar e executar com responsabilidade é o que transforma a burocracia em progresso.”
Essa frase resume o espírito da nova legislação. Mas o cenário ainda está longe do ideal.
O elo frágil: execução contratual
Embora a Lei nº 14.133/2021 tenha elevado o padrão exigido para a administração pública, poucos municípios sergipanos demonstram capacidade para cumpri-la integralmente. Em muitos casos, a execução contratual segue sendo o elo mais frágil da gestão pública: falta fiscalização efetiva, sobram aditivos mal justificados e não há controle do desempenho das empresas contratadas.
O reflexo dessa fragilidade é evidente: a escassez de processos sancionatórios contra fornecedores que descumprem contratos. A nova lei trouxe instrumentos legais para aplicação de sanções como advertência, multa, impedimento de licitar e declaração de inidoneidade. No entanto, a maioria dos municípios sergipanos nunca instaurou um único processo sancionatório formal com base na nova legislação.
Sem sanções, fornecedores ruins continuam vencendo licitações, atrasando entregas, reduzindo a qualidade dos serviços e minando a confiança no poder público. A ausência de penalidades, além de gerar desperdício de recursos, desestimula os bons fornecedores e perpetua um ciclo de informalidade e ineficiência.
A importância dos gestores de contratos
Nesse contexto, os gestores de contratos assumem papel estratégico e de suma importância para a gestão pública. Mais do que acompanhar prazos e elaborar notificações, eles são a primeira linha de defesa da alta gestão. São eles que garantem que os contratos firmados sejam cumpridos dentro dos padrões legais, técnicos e financeiros esperados.
Entre suas principais funções estão:
- Orientar os fiscais de contrato, que acompanham a execução no dia a dia;
- Controlar prazos e vigências, evitando perda de validade ou prorrogações indevidas;
- Notificar fornecedores em caso de descumprimento contratual;
- Padronizar procedimentos, facilitando a execução, a prestação de contas e o controle posterior;
- Propor medidas corretivas e até sancionatórias, quando necessário.
Apesar disso, muitos municípios ainda não nomearam formalmente gestores de contrato, ou os designaram sem capacitação adequada, expondo a administração a riscos operacionais, jurídicos e financeiros.
Sanção é governança, não perseguição
Um ponto muitas vezes ignorado por gestores públicos é que aplicar sanções não significa perseguição a empresas — significa aplicar a lei, proteger o interesse público e moralizar o ambiente de execução contratual. A falta de responsabilização fragiliza a posição do poder público nas relações contratuais, desequilibra concorrências e desestimula a profissionalização do setor.
A nova legislação exige que o processo sancionatório seja formal, contraditório e com direito à ampla defesa. Mas exige, sobretudo, que ele aconteça quando houver falhas graves. A omissão custa caro. Ao deixar de responsabilizar maus fornecedores, a gestão pública desestimula os bons, perpetua a informalidade e transfere para a população o peso das consequências.
Na prática, trata-se de governança: garantir o cumprimento da lei, resguardar o interesse público e fortalecer a integridade contratual.
Caminhos para melhorar
Para que os avanços propostos pela nova Lei de Licitações se consolidem, os municípios precisam ir além do discurso. É necessário:
- Capacitar servidores que atuam como fiscais e gestores de contrato;
- Criar rotinas padronizadas para acompanhamento da execução contratual;
- Estruturar o controle interno como suporte ativo à governança;
- E, acima de tudo, usar os mecanismos legais para punir maus fornecedores, fortalecendo os bons.
Sergipe já avançou na regulamentação e na capacitação inicial de servidores, por meio de instituições como o TCE/SE, Escola de Contas e associações municipalistas. No entanto, a efetiva implementação depende de decisão política local e da valorização das áreas técnicas dentro da estrutura administrativa.
Conclusão
Em tempos de escassez de recursos e exigência crescente da sociedade por resultados, gestão de contratos não é detalhe — é estratégia central de governo.
E o sucesso dessa estratégia começa na escolha e capacitação de quem vai tocar a execução: os fiscais e gestores de contratos.
Sem eles, a nova lei é apenas mais um texto bonito no papel.
Sobre a autora
Diana Almeida Centurión é especialista em Licitações e Contratos Administrativos, líder da Gestão de Contratos e Atas da Prefeitura Municipal de Carira/SE e bacharela em Direito.
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