A criação da comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar atos da cúpula do Judiciário, conhecida como Lava Toga, depende de um parecer da Consultoria Legislativa do Senado para ir adiante. Parte dos 13 fatos motivadores apresentados no requerimento da CPI foram considerados inadequados tanto pela área técnica da Casa quanto pela Mesa.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, declarou que a situação da CPI dos Tribunais Superiores encontra-se sob impasse. Apesar de contar com o número necessário de assinaturas, o requerimento não pode ser oficializado, segundo ele, porque haveria o risco de questionamento judicial sobre a comissão.
— Estamos vivendo um momento delicado da história nacional. As instituições precisam estar fortalecidas, e a independência e harmonia têm que prevalecer —alertou.
A CPI pretende investigar irregularidades no trabalho de ministros dos tribunais superiores. Entre os fatos destacados pelo requerimento, estão casos de juízes atuando em processos para os quais deveriam se declarar suspeitos ou impedidos; exercendo atividade comercial simultânea à atuação na magistratura; recebendo dinheiro por palestras para escritórios de advocacia; revertendo liminares em “tempo recorde”; incorrendo em “uso abusivo” de pedidos de vista; e até recebendo propina, entre outras atividades consideradas contestáveis.
O requerimento foi apresentado nesta terça-feira (19) pelo senador Alessandro Vieira (PPS-SE), acompanhado por outros parlamentares signatários. Alessandro reuniu 29 assinaturas favoráveis à criação da CPI, duas a mais do que o número mínimo exigido pelo Regimento Interno do Senado.
Solução
Davi explicou que uma análise prévia feita pela Consultoria Legislativa, pela Advocacia do Senado e pela Mesa entendeu que “pelo menos metade” dos fatos elencados diz respeito a questões internas do Judiciário. Assim, eles estariam fora do alcance da fiscalização do Congresso Nacional.
O presidente aguarda um parecer da Consultoria Legislativa para saber se é possível remover os fatos considerados fora de ordem e dar andamento ao requerimento com as assinaturas já coletadas. Caso contrário, será preciso elaborar um novo requerimento, apenas com os fatos relevantes, e colher uma nova lista de assinaturas do zero.
Ele destacou que não há prazo para essa decisão, e que os senadores serão comunicados assim que ela sair.
“Direito de apurar”
O senador Alessandro Vieira afirmou não ver motivos para que a CPI não tenha sequência automática e imediata. Ele interpretou que a manifestação de Davi Alcolumbre significa um reconhecimento de que o seu requerimento contém fatos determinantes. A interrupção do andamento do requerimento, portanto, seria política, e não técnica.
— A instalação [da CPI] se impõe. Se você tem o número [de assinaturas] e o fato, ela não depende do juízo de valor do presidente. Basta que se configurem os requisitos. Nós temos certeza que fizemos isso — afirmou.
Alessandro também negou que a intenção de criar a CPI seja um pré-julgamento ou uma acusação de crime sobre qualquer ministro. Ele e os demais senadores reivindicam apenas “o direito de apurar fatos”, no contexto da relação de freios e contrapesos que existe no sistema republicano.
— Ninguém está buscando guerra entre os poderes, mas existem poderosos que estão se escondendo nas suas respectivas instituições e tentando criar esse tumulto. Isso não vai prosperar. Existem fato sérios, alarmantes, que envolvem pessoas que ocupam cargos relevantes na nossa Suprema Corte e em outros tribunais superiores. Existem problemas notórios estruturais no Judiciário brasileiro. É preciso trazer esse debate para o Senado Federal, que é a Casa preparada pela Constituição para isso — afirmou.
Pacto
A situação da CPI dos Tribunais Superiores foi inserida pelos senadores no debate mais amplo sobre o equilíbrio institucional do país. Essa questão foi assunto de uma reunião no final de semana entre Davi Alcolumbre e os demais chefes de poderes. Os participantes do encontro falaram em estabelecer um “pacto” por uma relação pacífica e respeitosa.
Alessandro Vieira se mostrou cético em relação a esse acordo. Para ele, a CPI não cria conflitos, mas reforça o sistema democrático.
— Tem que saber quem vai pagar esse pacto. É importante a gente entender que o único pacto verdadeiro daqueles que foram eleitos apostando na renovação é com a sociedade. Esse é o único limite que nós temos. Ninguém quer substituir ou atacar o Judiciário. Um Judiciário limpo e transparente é essencial para democracia — explicou.
Já Davi Alcolumbre frisou que o seu encaminhamento sobre a CPI se baseia unicamente no que é exigido da sua posição.
— Meu posicionamento é a favor do Brasil. Eu me comprometi, como presidente do Senado, a seguir as regras estabelecidas. Não é questão de temer ou não a relação política. Como presidente, eu tenho que tomar a decisão que seja mais acertada para o conjunto do Senado — justificou.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) apoiou a postura do presidente do Senado. Ele classificou a pressão pela CPI como uma pressão indevida sobre o Supremo Tribunal Federal, e até mesmo como uma “chantagem”.
— Não concordo com esse processo. Não entendo que esse seja o papel do Senado. Fiquei satisfeito com as declarações de Vossa Excelência, que recolocam esse assunto no patamar da estabilidade — disse.
Diversidade
A lista de apoiadores da criação CPI compõe um quadro plural. Entre eles, 11 partidos diferentes estão representados. As legendas vão daquelas que apoiam o atual governo às que fazem oposição a ele. Há também um senador sem filiação partidária.
Para Randolfe Rodrigues (Rede-AP), um dos signatários, essa união entre senadores de origens divergentes dá mais força ao pleito e coloca-o em alinhamento com os primeiros movimentos do Senado em 2019.
— Foi essa diversidade que conduziu à eleição de Davi [Alcolumbre] à presidência da Casa, na expectativa da renovação. Esta diversidade também manifesta a vontade da Casa de instaurar esta investigação. A disposição desta Casa é não se curvar — ressaltou.
Dos 29 senadores signatários, 12 ocupam alguma posição de liderança nas suas bancadas. Dois deles são vice-líderes do governo: Elmano Férrer (Pode-PI) e Izalci Lucas (PSDB-DF). Também empresta seu apoio à iniciativa o senador Major Olímpio (PSL-SP), líder do partido do presidente da República, Jair Bolsonaro —dos quatro senadores do PSL, três são a favor da CPI.
Os dois maiores blocos parlamentares do Senado têm seus líderes entre os apoiadores da CPI: Eduardo Girão (Pode-CE), do bloco PSDB/Pode/PSL; e Esperidião Amin (PP-SC), do Bloco Unidos Pelo Brasil (MDB/PP/PRB). Cada grupo reúne 20 senadores. Randolfe Rodrigues, que é líder do bloco da Minoria, também se soma.
Outros apoiadores da CPI que são líderes partidários, são Alvaro Dias (Pode-PR), Roberto Rocha (PSDB-MA), Eliziane Gama (PPS-ES), Jorge Kajuru (PSB-GO), Jorginho Mello (PR-SC) e Telmário Mota (Pros-AP).
O líder do PSD, Otto Alencar (BA), disse que a sua bancada de nove membros se reunirá na quarta-feira (19) para decidir uma posição conjunta. Ele disse ser pessoalmente simpático ao pedido, mas não assinou o requerimento. O partido tem apenas um signatário até agora: Carlos Viana (MG).
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Fonte: Agência Senado