A prefeita de Capela (68 km de Aracaju), Silvany Sukita (PTN), terá que repintar os prédios públicos da cidade com recursos próprios, que desde o início da sua gestão, em janeiro, foram pintados de amarelo e vermelho, a cor do partido de ambos.
Na decisão, a Juíza Andrea Caldas de Souza Lisa confirmou o entendimento de que a atual prefeita e o ex-secretário de Obras, Sukita, praticaram ato de improbidade administrativa ao determinar a pintura de prédios e bens municipais nas cores do partido político deles, as quais divergem das cores da bandeira do município. Confira a decisão abaixo:
DECISÃO
Trata-se de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, com requerimento de liminar de obrigação de fazer, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICOESTADUAL em face de SILVANY YANINA MAMLAK e MANOEL MESSIAS SUKITA SANTOS, na qual a presentante ministerial pretende que os réus, Chefe do Poder Executivo local e Secretário Municipal de Obras, respectivamente, sejam compelidos a pintar os prédios públicos de cor diversa daquelas que representam o partido político e que foram utilizadas durante a campanha eleitoral de 2016.
Narra a exordial que os requeridos infringiram os princípios constitucionais, notadamente os da impessoalidade e da moralidade, haja vista que atuaram com desvio de finalidade ao pintar os bens públicos da edilidade nas cores que designam o partido político e que foram utilizadas durante a campanha eleitoral de 2016, imprimindo, assim, sua marca pessoal na coisa pública. Dessa forma, teriam incidido, inclusive, na proibição trazida pelo art. 37, § 1º, da CF/88.
Juntou os documentos de fls. 24-38.
Ato contínuo, este Juízo de Direito, velando pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, determinou a intimação dos réus para se manifestarem acerta do requerimento de tutela de urgência.
Às fls. 56-, consta a manifestação dos requeridos, na qual argumentam, em resumo, que primaram pela recuperação de equipamentos quebrados, bem assim pela pintura deles, e que a escolha das cores se deu através de uma análise técnica, a qual teria concluído que deveria ser dada “(…) predominância à cor cinza como cor neutra, à amarela, por ser uma cor que dar luz, amplidão e energia e a cor vermelha em detalhes com a finalidade de dar um contraponto.” Sustentam, ainda, que a cor amarela é predominante na bandeira do município. Requer, enfim o indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela.
É a síntese do necessário. Decido.
Cabe registrar que a tutela antecipada de urgência, nos termos do art. 300, caput, c/c art. 303, do NCPC, tem cabimento quando presentes os seguintes requisitos: 1) a probabilidade do direito, compreendida como a plausibilidade do direito alegado, em cognição superficial, a partir dos elementos de prova apresentados; 2) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, caso a prestação jurisdicional não seja concedida de imediato.
Analisando cuidadosamente os autos, notadamente as fotos colacionadas à petição inicial, fica hialino o fato de que os requeridos, valendo-se da condição de agentes públicos, determinaram a pintura de bens públicos (fachadas de prédios públicos, praças, bancos, etc.) da cidade nas cores, predominantemente, amarela e vermelha, com o cinza quase inevidente na maioria dos casos. É, inclusive, fato público e notório, que, além de estar evidenciado pelas fotos carreadas aos autos, pode ser facilmente constatado com uma mera visita à cidade, o que demonstra a verossimilhança das alegações autorais, calcadas em prova robusta.
Com efeito, vale explicitar que a doutrina e a jurisprudência têm encampado o entendimento segundo o qual a Administração Pública não se submete apenas à lei, mas ao Direito, razão pela qual é possível, além do controle da legalidade, o da juridicidade.
Na abalizada doutrina de Moreita Neto (2014, Curso de Direito Administrativo, 16 ed., p. 245),
O ‘princípio da judicidade exprime a dupla submissão jurídica do Estado: à ‘lei’ e ao ‘Direito’, a clássica ‘submissão à lei’, expressa no ‘pincípio da legalidade’, foi ampliada e superada com a inclusão tanto da submissão à ‘legitimidade’, politicamente conotada quanto da submissão à ‘licitude’, moralmente conotada, valores constitucionais afirmados do Direito pós-moderno, sintetizados no conceiro de ‘juricidade’. Assim, consoante esta mais atualizada nomenclatura, o emprego da expressão ‘legalidade’ se reserva quando a referência é feita à ‘lei no sentido estrito’, de norma estatal positivada.
Aí está a importância da atuação imparcial do Poder Judiciário. Este deve refletir, quando provocado, sobre o mérito do ato sempre dentro do prisma da juridicidade.
Importante registrar que, nesse sentido, “O ‘controle’ age pela ‘reação’, contraposta à atuação do Estado, sempre que for necessário ‘tornar efetiva a proteção’ das liberdades e dos direitos dos administrados ameaçados ou vulnerados, consistindo, portanto, na sua ‘contenção dinâmica’.” (MOREIRA NETO, op. cit., p. 245).
Sendo assim, embora não haja regra específica que rechace a pintura de bens públicos nas cores amarela e vermelha, é imprescindível entender o fato em seu contexto e, a partir daí, formar um juízo acerca pertinência do ato à luz dos princípios norteadores de toda a Administração Pública.
Deve-se considerar que, como sustenta o Ministério Público, as cores amarela e vermelha são usadas publicamente pelo demandados como cores representativas de sua campanha política e de seu partido. Portanto, está delineada a moldura fática que lastreia o requerimento de concessão de antecipação dos efeitos da tutela formulado pelo Parquet, uma vez que há manifesta evidência de que os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, insculpidos na principiologia do art. 37 da CF/88 estão sendo agredidos para promover a imagem pessoal dos agentes políticos, o que é vedado pela regra do § 1º do referido artigo.
Nesse sentido, conforme leciona Antonio Jose Brandão (apud MOREIRA NETO, op. cit., p. 103), “(…) tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos (‘moral comum’), como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções, ou procura obter mera vantagem para o patrimônio confiado à sua guarda. (…)”.
Vale anotar, ainda, que, segundo Moreira Neto (op. cit., pp. 101-102), ao discorrer sobre o princípio da impessoalidade na Administração Pública, “(…) a ‘correta atuação do Estado’ enquanto administrador, relativamente à sua ‘indisponível finalidade objetiva’, que vem que vem (sic) a ser aquela expressa na legislação, ou seja, totalmente despida de qualquer inclinação, tendência ou proferência subjetiva, mesmo em benefício próprio, condição que induziu Cirne Lima a afirmar que a ‘boa administração’ é a que prima pela ‘ausência de subjetividade’ (…).”
Em vista disso, o agente público não se pode valer do cargo ocupado para realizar a promoção pessoal, uma vez que a boa administração não se deve identificar com as qualidades subjetivas do servidor ou agente de ocasião, mas com o agir objetivo na consecução dos fins públicos, que são muitos, a fim de que se possa verificar, de fato, a prevalência do princípio republicano sobre as idiossincrasias particulares.
Não fosse isso o bastante, analisando a bandeira do município de Capela/SE, observa-se que, em verdade, a cor preponderante é a verde, não a amarela, conforme sustentam os requeridos.
Como bem destacou o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, Pedro Augusto Mendonça de Araújo, no voto prolatado nos autos do Agravo de Instrumento n.º 0006145-27.2012.8.02.0000,
Com efeito, a primeira vista, a utilização das cores vermelha e amarela para colorir os prédios públicos estaria enquadrada dentro do âmbito de discricionariedade do administrador público que, no exercício de suas funções, possui a prerrogativa de escolher aquela medida que melhor atende aos interesses da coletividade. Ora, zelar pela boa conservação e aparência dos bens da Administração é não apenas um direito, mas principalmente um dever de todos aqueles que ocupam um cargo da organização administrativa.
No mais, as tonalidades empregadas não indicariam, de pronto, um cunho político na promoção das reformas iniciadas, bem como na aquisição de materiais para a prestação dos serviços municipais, uma vez a apelada ser integrante do Partido Democratas, o qual adota em seus símbolos as colorações azul e verde.
Entretanto, confrontando-se as cores em tela com aquelas empregadas pela agravante em sua campanha eleitoral, o raciocínio toma caminho diametralmente oposto, apontando a prática de conduta ímproba por parte da gestora que, sob a premissa de buscar a conservação da res pública, mascarou seu real intento de imprimir sua marca pessoal nos aludidos bens. Ou seja, a similaridade das cores utilizadas induz o entendimento de que a finalidade da medida foi imputar na população local a falsa percepção de que a cidade estava “dominada” pela então candidata, ora Prefeita.
Nessa senda, importa destacar mostrar-se insustentável a tese recursal no sentido de que a adoção da cor amarela remete a uma das cores da bandeira do Município – verde e amarela -bem como de que esta já era utilizada antes mesmo de a agravante assumir interinamente a Prefeitura. De fato, além de as provas fotográficas não poderem confirmar esta informação, em razão da má qualidade apresentada, é fato notório que a flâmula municipal não possui a coloração vermelha, reiteradamente empregada nas repartições públicas em forma de detalhes, do mesmo modo que ocorria em seu material de campanha.
No que diz respeito ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tratando-se de requerimento lastreado na urgência da medida de tutela antecipada, é imprescindível a sua demonstração de modo suficiente a justificar a concessão dos efeitos da tutela já no momento inicial do processo.
No caso concreto, verifica-se que tal requisito está presente, mormente porque a permanência das cores citadas na exordial, em afronta aos princípios constitucionais e à regra do § 1º do art. 37 da CF/88, implica manutenção da promoção subjetiva dos requeridos enquanto durar todo o trâmite processual pelo menos, prorrogando-se os atos malversadores da juridicidade no tempo, trazendo injusto benefício aos réus em detrimento da moralidade pública e dos munícipes.
Tal entendimento encontra respaldo, inclusive, na seguinte decisão colegiada:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 37, CF/88. PINTURA DE IMÓVEIS E BENS PÚBLICO MUNICIPAIS COM CORES PARTIDÁRIAS UTILIZADAS EM CAMPANHA ELEITORAL. CONFECÇÃO DE PANFLETOS EM COMEMORAÇÃO AO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE. PRESENÇA DO NOME DOS AGENTES POLÍTICOS. APARENTE FINALIDADE EDUCATIVA. ATO DE PROMOÇÃO PESSOAL REALIZADO PELO PREFEITO E VICE-PREFEITO. DANO AO ERÁRIO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-RN – AC: 39376 RN 2009.003937-6, Relator: Des. Cláudio Santos, Data de Julgamento: 21/07/2009, 2ª Câmara Cível).
Essa fase processual, contudo, e a premente necessidade de exame da medida de urgência vindicada, não permitem que incursões mais profundas sejam levadas a cabo. Por isso, não há como ter a certeza jurídica do direito do autor, embora seja ele provável. Não obstante isso, os requeridos poderão, ato contínuo, produzir a prova da inexistência do ato ímprobo, o que faria suplantar as provas produzidas até então.
Por todo o exposto, ante a presença dos dois requisitos legais que autorizam a concessão da antecipação dos efeitos do resultado da tutela jurisdicional, DEFIRO-A para determinar: 1 – que os réus, às suas expensas, retirem a pintura, nas CORES AMARELA E VERMELHA, de todo e qualquer bem público e das placas indicativas de obras ou de propaganda oficial, bem como as substituam por cor neutra, PINTANDO-OS COM COR POLITICAMENTE NEUTRA, preferencialmente o branco e as cores oficiais da bandeira do município de Capela/SE, no prazo de 20 (vinte) dias; 2 – que os requeridos retirem o logotipo pessoal de qualquer material de propaganda ou ato oficial de governo; e 3 – que os demandados se abstenham de realizar qualquer tipo de pintura em bens públicos com a utilização das cores propagadas durante a campanha eleitoral de 2016, quais sejam, amarela e vermelha. Em caso de descumprimento, arbitro multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por dia, que deve recair sobre o patrimônio pessoal dos réus, além da possibilidade de prisão em flagrante pelo crime de desobediência.
Notifiquem-se os requeridos, nos termos do art. 17, §7º, da Lei nº 8.429/92, para oferecerem manifestação por escrito acerca dos fatos narrados na petição inicial, que poderá ser instruída com documentos e justificações, no prazo de 15 (quinze) dias.
Intime-se o Município de Capela, nos termos do artigo 17, §3º, da Lei nº 8.429/92, para, querendo, ingressar na lide, no prazo de 15 (quinze) dias.
Após o decurso do aludido prazo, com ou sem manifestação, certifique-se e volvam conclusos.
Cumpra-se COM URGÊNCIA.
P.R.I.
Capela/SE, 30 de março de 2017.
JUÍZA DE DIREITO
Andrea Caldas de Souza Lisa
Número do processo: 201762000168
Com informações da Ascom TJSE
A decisão cabe recurso
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