Luciano Pádua – Jornal do Brasil
Após o anúncio do atacante do Flamengo Adriano, por meio de sua assessoria de imprensa, de que só retorna aos campos em 2013 e não sabe se será no Rio de Janeiro, outra nota foi divulgada afirmando que o jogador continuará, “no que depender dele”, no clube no ano que vem. A diretoria rubro-negra ainda não comentou as notas, mas o diretor de futebol, Zinho, se pronunciará sobre o caso no Ninho do Urubu nesta terça-feira (6).
“Em face da notícia publicada em alguns veículos, dizendo que Adriano anunciou seu desligamento no clube, informamos que: Adriano continua e, se depender dele, continuará ano que vem no Clube de Regatas Flamengo. A nota sobre onde fará o treinamento, refere-se: quando não estiver treinando no clube, poderá, também, manter seu condicionamento físico e sua recuperação em outros lugares além do Rio de Janeiro, como acontece com jogadores que atuam, inclusive, no futebol europeu”, diz o texto.
As informações desencontradas expõem mais um episódio controverso do ídolo rubro-negro. Desde que retornou à Gávea, em agosto deste ano, o jogador não consegue manter um ritmo de treinamentos sem faltas e prejudica sua recuperação. Na madrugada da sexta-feira (2), Adriano fez discurso no palco de uma casa de festas, na Barra da Tijuca, e pediu para ser liberado dos treinamentos até a terça-feira (6).
Para ex-companheiros, o atacante precisa buscar ajuda para voltar a atuar em alto nível e decidir definitivamente se pretende continuar ou não jogando profissionalmente, com todas as implicações que a atividade demanda.
Talento pelo ralo
O ex-jogador e técnico Andrade, que comandava a equipe rubro-negra na campanha do título brasileiro de 2009, diz que em todos seus anos de futebol nunca viu um jogador com tanto talento deixar de lado sua carreira. “O caso do Adriano é uma exceção, algo raro. É um jogador muito talentoso que perdeu a motivação. De todos os anos que vivi no futebol, esse é o primeiro caso de um jogador com esse nível jogar tudo por água abaixo”, afirmou.
Segundo ele Adriano, na época, estava motivado para jogar porque visava ser convocado para representar a seleção brasileira na Copa do Mundo de 2010. “Quando o treinei, as dificuldades eram bem menores do que hoje. Ele ainda tinha motivação. Havia a Copa do Mundo no ano seguinte e ele tinha esperança de participar. Com certeza, foi um dos fatores que o motivou naquela campanha”, lembra Andrade. “Aí veio a Copa do Mundo e com os problemas de disciplina ele acabou não sendo convocado. Isso parece que o desestimulou”.
Para ele, não apenas o jogador, mas o clube fica exposto nesse tipo de episódio. “Esses problemas fora do campo são ruins para a entidade. O Adriano sabe disso. É ruim para o atleta e para o clube. Fica difícil para o treinador, que também é cobrado, tem sempre que dar explicação, ainda mais no Flamengo”, pondera.
Andrade acredita que o jogador precisa buscar ajuda para conseguir retornar aos gramados e repetir as atuações de 2009. “Acho que ele precisa querer ajuda. Sozinho, acho muito difícil que venha a acontecer isso (voltar a jogar em alto nível). Torcemos muito para que ele se recupere e dê a volta por cima pela pessoa que é no dia a dia. É simples, um cara de grupo, que quer ajudar sempre”.
Contrato de risco
A mesma opinião é compartilhada por Delair Dumbrosck, que assumiu interinamente a presidência do Flamengo em 2009. Segundo o ex-dirigente, a atual diretoria do clube se equivocou ao contratar o atacante, mesmo com todas as cláusulas que protegiam a entidade. “Não era um caso de contrato profissional nesse momento. Acho que ele deveria procurar um tratamento e depois procurar um clube para jogar”, afirmou Delair.
Para ele, que reagiu sem surpresa ao anúncio do Imperador, o jogador tem problemas de alcoolismo e precisa se tratar. “O problema do Adriano, que eu saiba, é alcoolismo. A empresa que o contrata tem que ajudar, mas o primeiro passo é a decisão própria. Dizer: ‘eu quero me recuperar’, mas se ele não quiser não adianta fazer nada que ele não vai se ajudar”, disse.
Segundo o ex-dirigente, antes do atacante ser contratado na sua gestão houve uma avaliação psiquiátrica para determinar se ele teria condições de jogar profissionalmente. Ele pondera que o jogador teve oportunidade no Flamengo e decidiu ir para o Roma, da Itália, em 2010, onde não conseguiu ter boas atuações e só participou de oito partidas.
“Ele teve oportunidades na minha época (de mandato), jogou o ano inteiro e teve comando. Quis voltar para a Itália, voltou e não deu certo. No Corinthians, teve problemas. Já estava dando o sinal de que ele não estava bem, de que precisa se tratar”, opinou Delair. “A família dele vai acabar adoecendo. Daqui a pouco, perde o comando sobre ele, sofre com ele. Daqui a pouco o dinheiro dele acaba também e ele se torna um problema muito grande dentro da própria família”.
Decisão
Companheiro de Adriano quando ainda começava sua carreira no Flamengo, em 2000, o ex-lateral esquerdo Athirson acredita que o artilheiro precisa pesar o ônus e o bônus de continuar atuando profissionalmente. “Como amigo e torcedor do bom futebol, a gente sabe que o importante é ele estar feliz. Ele tem que tomar uma decisão do que pretende. A gente torce para que se recupere. É jovem, ainda pode dar alegria, mas tem que querer isso. A rotina do futebol não é fácil, ele não conquistou tudo o que tem à toa”, avalia.
Athirson cita jogadores como Zé Roberto, Juninho Pernambucano, Seedorf e Gilberto Silva para ilustrar como a dedicação aos treinamentos pode influenciar na longevidade da carreira, mas pondera que tudo depende da vontade de jogar.
“A rotina é muito desgastante: os treinos, o condicionamento físico, que todo mundo sabe que é essencial hoje. Ele precisa pensar se quer ou não ter essa sequência de treinamento. Se eu tivesse a oportunidade de falar com ele, era isso que diria. Para ser profissional, ele sabe do sacrifício necessário”, diz.
O ex-lateral conta que, na sua decisão de se aposentar, a vontade de ficar com a família e propostas pouco atrativas pesaram. Em 2010, com 33 anos, ele atuava na Portuguesa, mas não teve o contrato renovado. Ele optou por parar quando percebeu que não estaria atuando com toda a dedicação necessária.
“Tive propostas de times pequenos, com valores que não eram tão atrativos. Isso acabou me desanimando. Gostaria de continuar jogando, até pedi para voltar ao Flamengo, mas não tive a oportunidade. Então, preferi parar. Cheguei a ir para o Bragantino, mas me desliguei porque não conseguiria render o esperado. Pensei: ‘minha cabeça não vai estar aqui, prefiro não fazer isso”, conta.
Ele aponta que as projeções de retorno do Imperador aos gramados podem ter sido precipitadas. “A demora na recuperação é grande e não sei se ele voltaria no mesmo nível de antes. Os problemas que vêm acontecendo podem vir do fato dele só estar treinando, enquanto se recupera de uma cirurgia”, analisa. “Acho que tudo tem que ser pesado por ele. Adriano pode parar de jogar e aproveitar o dinheiro que conquistou, porque tudo que ele tem veio do mérito de seu trabalho. Não thá nada de errado nisso”.