Apesar da grande repercussão causada pela onda de violência na Bahia, a greve dos policiais baianos foi mais uma na sequência de paralisações que vem assustando governos e a população do Nordeste. Quatro Estados passaram por casos nos últimos seis meses, e pelo menos mais um pode enfrentar greve já nos próximos dias.
Somente nos últimos dois meses, os protestos causaram paralisação de serviços em três Estados: além da Bahia, Maranhão e Ceará enfrentaram problemas. As três greves precisaram de intervenção federal, com a publicação dos decretos de GLO (Garantia de Lei e de Ordem), que tiraram o comando da segurança pública dos Estados e o repassaram para o Ministério da Defesa. Em todas as greves, os militares tiveram decisões da Justiça que as consideraram irregulares, mas seguiram e conquistaram reajustes bem acima da inflação.
Outro caso ocorreu no Piauí, onde, em agosto de 2011, os militares realizaram uma “greve branca”, com os policiais indo ao trabalho, mas se recusando a executar as atividades de rua. Como as outras paralisações, homens da Força Nacional foram acionados.
Dos cinco Estados que ainda não passaram por greve do Nordeste, pelo menos um está na iminência de uma greve. Campeão em índice de assassinatos, Alagoas terá o destino decidido na próxima quarta-feira (15), quando o movimento unificado da segurança pública terá uma reunião com o governo do Estado e deverá ter uma resposta sobre as reivindicações solicitadas. No mesmo dia à tarde, os militares se reúnem em assembleia onde votarão um indicativo de greve, caso as solicitações não sejam atendidas.
Segundo o presidente da Associação dos Militares, major Wellington Fragoso, os ânimos da tropa estão acirrados e existe chance real de paralisação. “No ano passado, para encerrarmos uma mobilização, abrimos mão de seis data base, para termos a correção do quinquênios, com base na Constituição, e uma reposição residual de 7%. Não estamos pedindo nada supérfluo. Estamos brigando pelo que está na lei. Nossa revolta é essa. O problema é que o governo blefou naquela ocasião. O objetivo agora é negociar, mas quarta é o ‘dia D’. Se não acenar com uma proposta convincente, teremos uma mobilização que prejudicará muito o povo alagoano”, adiantou o militar.
Em nota, a Secretaria de Estado da Gestão Pública informou que a proposta dos militares está sob análise do governador Teotonio Vilela Filho (PSDB), que deverá responder na quarta sobre os pedidos. O governo informou ainda que acredita em uma solução negociada, sem paralisação de serviços.
Segundo Fragoso, o governo federal tem culpa direta nas greves que vêm ocorrendo pelo país, já que não se discute a melhoria de salários dos militares. “O governo federal precisa acordar, porque esses movimentos estão estourando por todo o Nordeste, por todo o país. A regulamentação do piso nacional acalmaria os militares, que estão insatisfeitos e por isso paralisam as atividades. Essa é uma necessidade”, disse.
Em Pernambuco, o tema greve veio à tona após publicação de nota pela Associação Pernambucana de Cabos e Soldados de Pernambuco, no último dia 6, onde alertou que “policiais e bombeiros militares de Pernambuco devem ficar atentos. A qualquer momento a ACS-PE estará convocando uma Assembleia Geral para discutir assuntos de interesse da tropa, especialmente sobre as escalas de trabalho escravizantes, a falta de previsão das promoções e outras reivindicações que não foram atendidas, o que vem gerando grande insatisfação entre PMs e bombeiros”, disse o texto.
A nota disse ainda que “há uma possibilidade de movimento nacional, a qual deverá ser definida em reunião extraordinária com todos os integrantes da Associação Nacional de Praças (ANASPRA).”
Segundo a Associação de Cabos e Soldados, a publicação foi o suficiente para que, à pressas, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco convocasse os militares para uma reunião, que ocorreu no último dia 8. O encontro terminou com sinalização positiva sobre as reivindicações e os ânimos, pelo menos por enquanto, estão acalmados.
A Secretaria de Defesa Social de Pernambuco informou ao UOL que não existe clima que aponte para a deflagração de uma greve de militares no Estado.
Em Sergipe, as associações alegam que o clima da tropa também é de insatisfação. O problema no Estado não é salário, mas sim carga horária, tíquete alimentação e lei de organização da PM. Outro pedido é que, no próximo concurso, apenas pessoas com nível superior possam ingressar na carreira. Apesar das reivindicações, não existe previsão de greve, mas há protestos em andamento que dificultam o funcionamento da PM e bombeiros, e pressionam o governo.
“Nós estamos com o clima acirrado. Mas não pensamos em greve ou em aquartelamento. Adotamos uma política diferente. Por exemplo, a lei diz que os veículos só podem circular nas ruas se forem licenciados. E nós descobrimos que os carros militares não eram licenciados. O que fizemos: paramos esses carros desde o dia 14 de janeiro. Não deixamos de trabalhar, mas passamos a ir a pé. Paramos até o aeroporto, que precisa de bombeiros para receber voos. Desde lá, metade da frota foi legalizada, mas metade ainda está parada. Outro ponto: o estatuto da PM diz que devem ser dadas quatro fardas por ano aos militares. E há quatro anos estamos sem receber fardamento. Logo, estamos trabalhado à paisana”, disse o sargento Edgar Menezes, presidente da Associação dos Militares de Sergipe.
O militar alegou ser contra a paralisação dos serviços. “Fizemos aquartelamento em 2000 e 2001 e não conseguimos nada. Agora, com essas ações, conseguimos duplicar os salários nos últimos anos. O governo está se movimentando porque a população está do nosso lado. Temos outras 10 cartas na manga, que podemos usar para pressionar o governo. Greve não iremos fazer”, afirmou.
No Rio Grande do Norte, os militares não têm protestos em vista, mas duas reivindicações ao governo preocupam as associações. Uma delas já está acordada para ser implantada em julho: a transformação de salário em subsídio. A outra reivindicação é referente ao plano de carreiras, que não está garantido ainda pelo governo. “A gente espera que não seja preciso greve. Deveremos nos próximos dias iniciar uma campanha, inclusive publicitária, para falar sobre essa situação”, disse Roberto Campos, presidente da Associação de Cabos e Soldados do Rio Grande do Norte.
O UOL tentou, durante toda a semana, contato com as associações de Cabos e Soldados e de Militares Reformados da Paraíba, para saber se existe previsão de greve e quais as reivindicações da categoria, mas nenhuma das ligações feitas para quatro números diferentes foi atendida ou completada.
Segundo a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, não existe nenhuma posição do Ministério da Justiça sobre a criação do piso nacional dos militares, e afirmou que não cabe ao governo federal negociar com os policiais. “O nosso papel, sem dúvida nenhuma, é dar condições de segurança à população. Nós não vamos colocar juízo de valor sobre a negociação, pois isso não nos cabe, porque o Estado é autônomo. Mas em qualquer momento que seja necessário, o governo federal está pronto para ajudar”, afirmou.
Greves pelo Nordeste
As quatro greves realizadas em seis meses causaram estragos em quatro Estados do Nordeste. No Piauí, durante oito dias de agosto do ano passado, os militares realizaram uma “greve branca”, com a adesão dos policiais ao “Movimento Polícia Legal”. Os manifestantes paralisaram o patrulhamento, e o Estado precisou acionar a Força Nacional de Segurança. Com a greve, os militares garantiram a aprovação de uma tabela de reajuste que garantirá, até 2015, aumentos de todas as classes entre 70% e 111%.
A primeira das greves declaradas ocorreu no Maranhão, em dezembro de 2011. Os militares ficaram parados por 10 dias e ganharam reajuste de 10,46%, retroativos a janeiro. Além disso, o vale alimentação aumentará de R$ 250 para R$ 300 a partir de agosto. A greve começou no dia 23 de novembro. Um dia depois, o Tribunal de Justiça do Estado decretou a ilegalidade do movimento. Durante a paralisação, cerca de 2.000 homens da Força Nacional e do Exército foram acionados e controlaram a segurança.
No Ceará, no início deste ano, uma greve gerou pânico em Fortaleza e levou estabelecimentos comerciais a fechar as portas com medo de arrastões. Órgãos públicos também deixaram de funcionar. Muitos empreendimentos mudaram de horário, e o turismo foi afetado. Na última quinta-feira (9), após mais de um mês de espera, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou o reajuste de R$ 920,18 e a anistia administrativas que paralisaram as atividades por seis dias.
Já na Bahia, a greve de militares que começou no último dia 31 e ainda não terminou, apesar de ter sido considerada encerrada, pelo comando da PM, ontem. O governo concedeu a implantação de gratificações e garantiu anistia administrativa aos policiais que participaram pacificamente da mobilização. Cerca de 4.000 homens da Força Nacional, Exército e Polícia Federal foram enviados ao Estado, que registrou mais de 150 homicídios nos 11 dias de paralisação.
A greve parcial dos policiais militares na Bahia foi deflagrada no dia 31 de janeiro. Dias depois, o movimento foi considerado ilegal. Doze mandados de prisão foram expedidos contra policiais militares que lideram o movimento. Todos são acusados de formação de quadrilha e roubo de patrimônio público (carros da corporação). Além dos crimes, os policiais devem passar por um processo administrativo.
Na noite de 9 de fevereiro, a categoria decidiu manter a paralisação mesmo após a desocupação da Assembleia Legislativa em Salvador, tomada por agentes amotinados durante dez dias.